Pressionado por divisões na bancada ruralista, o governo Dilma Rousseff sabe que corre o risco de enfrentar novas derrotas na tramitação da medida provisória que trata do Código Florestal e já trabalha com a possibilidade de a MP caducar. O relatório aprovado na comissão especial mista do Congresso precisará ser apreciado pelos plenários da Câmara e do Senado antes de 8 de outubro. Enquanto calcula o impacto das modificações realizadas pelo colegiado num acordo que foi desautorizado pela presidente, o Executivo busca consolidar o apoio de uma parte da bancada ruralista para manter as regras previstas no texto original da medida provisória.
O governo, no entanto, encontra forte resistência da ala “mais radical” dos parlamentares ligados ao agronegócio. Líderes do segmento trabalham pela união da bancada, caso o governo resolva endurecer nas negociações. As mudanças feitas pela comissão aumentaram os benefícios dos grandes e médios produtores rurais, assim como a Câmara havia feito antes de Dilma vetar o Código Florestal aprovado pelo Congresso.
“O governo, em certas circunstâncias, tem o dom de complicar as coisas”, criticou o presidente da União Democrática Ruralista”, Luiz Antonio Nabhan Garcia, para quem o governo cedeu às pressões de organizações não governamentais estrangeiras e a países que querem reduzir a produtividade da agropecuária nacional. “Ela [bancada ruralista] tem uma divisão. Mas, se o governo não ceder, vai tomar outra surra. Se existe radicalismo, existe da parte do governo e da bancada ambientalista. Este governo tem a mania de empurrar goela abaixo. Quem vota com ele é bonzinho. Quem não vota é radical?”
Em público, os articuladores políticos do governo evitam ameaçar o Congresso com novos vetos. Auxiliares da presidente não escondem, porém, que o Executivo mantém a disposição de impedir a concessão de anistias a desmatadores e a aprovação de dispositivos que permitam o aumento do desmatamento no país.
Em maio, ao vetar trechos do projeto que havia sido aprovado pelo Parlamento e publicar uma medida provisória com mudanças no Código Florestal, o governo fixou regras obrigando que os produtores rurais preservem e recuperem áreas de proteção ambiental de forma proporcional ao tamanho de suas propriedades. A aposta do governo era justamente provocar um racha na bancada ruralista, uma vez que a maior parte dos produtores detém pequenas propriedades. No entanto, até agora não conseguiu votos suficientes para manter suas posições.
Os avanços das conversas de uma ala da bancada ruralista com o governo coincidiram com a aproximação entre o Palácio do Planalto e a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Para algumas lideranças ruralistas, porém, o objetivo da parlamentar é credenciar-se para virar ministra de Estado, movimento com potencial de reduzir a margem de negociação do setor.
O racha da bancada ruralista ficou evidente durante a discussão da MP 571 na comissão especial mista do Congresso. O entendimento desautorizado por Dilma foi obtido após sete horas de negociações na quinta-feira, quando os integrantes do colegiado redigiram um novo texto para substituir o acordo fechado no dia 12 de junho. Sem o acerto, as emendas seriam votadas individualmente. E o governo dificilmente venceria a bancada ruralista.
Mas os deputados Ronaldo Caiado (DEM-GO), vice-líder do DEM, integrante da cúpula ruralista e ex-presidente da UDR, Bernardo Santana (PR-MG) e Abelardo Lupion (DEM-PR) não concordaram. Durante os discursos, Kátia Abreu chegou a pedir “pelo amor de Deus” para que Caiado mudasse de ideia. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Homero Pereira (PSD-MT), e o ex-presidente da FPA, Moreira Mendes (PSD-RO), também apelaram ao colega. Em determinado momento, mais de 15 pessoas foram ao redor do deputado tentar demovê-lo. O impasse permaneceu até que a mudança nas APPs foi proposta pela presidente da CNA.
A insatisfação de Dilma com o resultado da votação na comissão do Congresso foi evidenciada em uma cerimônia pública na última semana, quando a presidente enviou um bilhete questionando as ministras Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Izabella Teixeira (Meio Ambiente) se a decisão dos parlamentares havia sido acertada com o Executivo. Ambas apressaram-se a dizer que o governo não concordara com o texto. Na sequência, diversos parlamentares também passaram a tentar se desvincular do entendimento alcançado.
Na sexta-feira, por exemplo, o líder do governo no Senado Federal, Eduardo Braga (PMDB-AM), negou que tenha participado de qualquer acordo. “Desde o início, trabalhamos para que o texto-base da MP fosse aprovado”, assegurou o senador.
Num contra-ataque, Caiado chegou a ameaçar tentar anular a votação. “Como o governo rechaçou oficialmente o acordo feito na comissão mista que viabilizou a votação do tema, a análise da proposta terá que ser refeita”, disse. “Estou encaminhando ofício ao presidente do Congresso para que, diante desse golpe que fomos vitimados, continuemos então a votação na comissão especial a partir de terça-feira. Em momento que o acordo é descumprido, não podemos aceitar que a etapa da comissão especial esteja vencida.”
A iniciativa não conta com a adesão da maioria da bancada ruralista. Mesmo assim, os parlamentares ligados ao setor já falam em unir esforços no plenário da Câmara. “Vai acontecer o que não gostaria [o embate], e a chamada bancada ruralista, mordida, com seu calo doendo, vai se juntar outra vez e derrubar o governo. O mais contundente com o Caiado fui eu, e estou dizendo que fica zerado [indisposição entre os ruralistas] se tiver tentativa de intervenção do governo”, afirmou Moreira Mendes. “O ruim é se cair a MP, é o pior dos mundos. Seria uma insegurança jurídica absoluta.”
Por: Fernando Exman, Tarso Veloso e Daniela Martins
Fonte: Valor Econômico
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