Ainda que  não exista uma estimativa oficial concreta, os prejuízos do Brasil com o  Protocolo de Nagoya poderão ser bilionários se de fato ele for  ratificado. Assinado pelo governo em fevereiro de 2011, o documento, que  prevê o pagamento de royalties para o país que fizer uso da  biodiversidade de outro, tramita na Câmara dos Deputados e aguarda a  criação de uma comissão especial para discuti-lo.

Para avaliar o  impacto do acordo, o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações  Internacionais (Icone) traçou em 2010 um cenário hipotético que mostrava  que, se a taxa cobrada por outros países sobre o uso de suas espécies  nativas pelo Brasil fosse de 1%, o país teria que pagar R$ 639 milhões  em royalties referentes aos volume de 2009 de produção de  cana-de-açúcar, soja, farelo de soja e carnes bovina, suína e de frango,  aos países de origem desses produtos.

“A intenção das discussões  em torno do protocolo era repartir benefícios da biodiversidade sem que  houvesse perdas”, diz o gerente-geral do Icone, Rodrigo Lima. “É  importante que o governo brasileiro faça pesquisas [sobre o impacto do  acordo, a exemplo do que acontece em outros países”, comentou.

O  protocolo, que só pode entrar em vigor depois de ser ratificado por 50  países, afetará toda a cadeia de produtos oriundos de outras nações. A  Colômbia, segundo uma fonte do Ministério da Agricultura, já puxou a  fila e disse que pretende cobrar 30% pelo uso da batata. Por enquanto,  apenas México, Ruanda, Jordânia e Seicheles ratificaram o acordo,  assinado por 92 países no total.

Apesar de seus possíveis  impactos, o assunto não chama a atenção no Congresso brasileiro. O  governo avalia que os parlamentares consideram “distante” a discussão.

O  principal prejuízo para o Brasil, de acordo com o Icone, recairia sobre  a soja, carro-chefe do agronegócio no país, que colheu 66,4 milhões de  toneladas do grão em 2011/12. Ao mesmo tempo, o principal país  importador da soja brasileira, que é a China, berço da soja, seria o  grande beneficiado nesse tabuleiro.

Ao assinar o acordo, afirma  uma fonte da Agricultura, o Brasil ignorou vários pontos que ainda não  estão claros, como a forma da cobrança. No caso de sementes, por  exemplo, também não se sabe se varieades existentes serão passíveis de  cobrança ou se só as novas, convencionais ou transgênicas. Mas está  claro que haveria cobrança sobre produtos plantados ou industrializados.

Durante  a negociação, em outubro de 2010, representantes do Itamaraty, do  Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento bateram  cabeça na hora de decidir se deveriam dar a garantia de assinatura ou  esperar futuros estudos. “Em um determinado momento, uma parte se  empolgou e acabou vendendo o que não pode entregar”, afirmou uma fonte  da Agricultura.

Já uma fonte do Itamaraty defendeu a assinatura e  disse que o governo quer sua aprovação. “O Brasil participou ativamente  das negociações em torno do texto e, do ponto de vista do poder  executivo, a decisão foi tomada no mais alto nível. A prova disso é que a  presidência encaminhou o texto para ser discutido no Congresso e quer  ver isso aprovado”.

A proposta de análise do texto, que foi  enviada ao Congresso, estudará o resultado do Acesso a Recursos  Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de  sua Utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O CDB foi  concluído durante a 10 ª Reunião da Conferência das Partes na Convenção,  em outubro de 2010 (COP-10), e assinado em Nova York. Em 25 de junho  deste ano, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados remeteu o texto a  diversas comissões.

O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF),  presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e  Fiscalização e Controle (CMA), entregou um requerimento em 10 de julho  para realizar uma audiência pública para discutir o protocolo. Segundo o  ofício, a intenção preparar o terreno para a Conferência das Partes da  Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 11), que será realizada em  outubro na Índia.

Algumas pessoas dentro do governo avaliam que,  ao contrário do que se pensa, o Brasil não seria beneficiado devido a  sua grande biodiversidade. Conforme a fonte do Ministério da  Agricultura, na reta final das negociações foi retirado do texto o  parágrafo que defendia o ressarcimento por fármacos sintetizados, área  em que o Brasil poderia ganhar.

A análise do Ministério da  Agricultura é que o governo “vendeu sem ter”. Segundo uma fonte da  Pasta, o governo assinou um protocolo sem fazer nenhum estudo sobre os  prejuízos em relação ao assunto.

Mas essa tese é desconstruída  pelo secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio  Ambiente, Roberto Brandão Cavalcanti. Em entrevista ao Valor, ele afirma  que o tratado é um passo significativo para o país, e que a posição  brasileira foi decisiva para que o protocolo fosse para frente. “O  acordo é interessante para o Brasil, pois significa que vamos garantir a  repartição da biodiversidade. No passado, já houve tentativas de  patentear nossa biodiversidade no exterior. Agora, podemos nos  beneficiar das novas empresas que vão usar biodiversidade nativa para  alimentos e cosméticos”, disse.

Fonte: Valor Econômico