A agricultora Maria das Graças Militão, 40, lucrava até R$ 8.000 por semana com a produção de cacau de sua fazenda, onde estão hoje as obras da futura terceira maior hidrelétrica do mundo: Belo Monte, em Vitória do Xingu (a 945 km de Belém). Expulsa de sua casa em fevereiro por uma decisão judicial de desapropriação obtida pela Norte Energia, empresa responsável por Belo Monte, a agricultora não recebeu dinheiro nem outra casa. “Entraram com os tratores e derrubaram nossa horta”, diz.

Como seu título de terra estava duplicado -outra pessoa tinha registro da mesma propriedade-, a empresa parou a negociação e acionou a Justiça para expulsá-la. Sem renda fixa, Militão vive na casa de um amigo e vendeu o carro para sustentar o marido e quatro filhos.

A situação tem se repetido. Em tese, as famílias afetadas por Belo Monte devem receber uma indenização em dinheiro ou ser reassentadas.

Mas há vários casos de famílias removidas sem compensação e que se dizem até ameaçadas a aceitar a proposta da Norte Energia. “Os técnicos diziam a elas: ‘Ou você aceita ou vai para a rua e briga na Justiça'”, afirma a defensora pública Andréia Barreto. Segundo ela, as ofertas são baixas e desconsideram algumas posses dos moradores.

A Norte Energia diz que indenizou todas as famílias contatadas (leia abaixo).

Há dois tipos de casos de não indenização: famílias desapropriadas por ordem judicial (que rejeitaram o acordo ou tiveram problemas na documentação) e famílias que não eram donas da terra onde moravam, e a empresa não concorda com a indenização. Na área de Belo Monte, havia 1.540 propriedades rurais. Dessas, a empresa já comprou 600.

Os problemas começaram a vir à tona nos dois últimos meses. A Defensoria Pública do Pará ajuizou 13 ações pedindo o reassentamento de pessoas excluídas da indenização. Outras dezenas de casos estão em análise. Já houve 3 decisões liminares a favor dos moradores e 5 contrárias. Além disso, a Norte Energia entrou com 28 ações de desapropriação. Dessas, 26 tiveram liminar pela expulsão das famílias. A indenização é depositada na Justiça, sem previsão de pagamento.

RECONHECIMENTO

O Plano Básico Ambiental, redigido pela própria empresa, diz que donos de imóveis e famílias que vivem ou trabalham no local têm direito à indenização. Na prática, há falhas. A agricultora Suzete Silva, 27, morou por três anos com o marido e quatro filhos na propriedade de um agricultor em Vitória do Xingu. Trabalhavam na colheita de cacau. Com o acordo entre proprietários e a Norte Energia, Suzete e a família perderam casa e emprego em janeiro, sem nenhuma indenização.

PROTESTOS JÁ PARALISARAM OBRA POR 30 DIAS

A obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA), teve início em junho do ano passado e já totalizou 30 dias parada por causa de protestos de operários, índios e ativistas ambientais.

Essas paralisações não chegaram a afetar todos os canteiros de obras. O CCBM (Consórcio Construtor de Belo Monte) afirma que as interrupções serão compensadas ao longo do cronograma. Atualmente, a obra está em fase de escavações na casa de força principal e de conclusão dos alojamentos internos dos operários. O desvio do rio Xingu, necessário para fazer a água chegar à casa de força, está parado, à espera de autorização ambiental.

O OUTRO LADO: EMPRESA DIZ QUE FAMÍLIAS FORAM INDENIZADAS

A Norte Energia, empresa responsável por Belo Monte, diz que “todas as famílias contatadas receberam” indenização para sair de casa. A reportagem questionou a empresa sobre o caso específico das duas agricultoras, mas não obteve resposta.

Sobre as 28 ações ajuizadas na Justiça Federal pedindo a desapropriação de imóveis, a empresa diz considerar o número “muito baixo” em relação às 600 já compradas por meio de acordo.

Sobre os relatos de ameaças aos moradores durante as negociações, respondeu: “Em todos os processos de aquisição de áreas no meio rural ou urbano, negociados pela Norte Energia, existem termos de aceitação assinados pelos moradores”. Em nota divulgada anteriormente sobre o caso específico de uma das comunidades rurais, a empresa disse que “as famílias sempre tiveram tempo para tomar decisão” e que “não houve coerção ou indução”.

A Norte Energia diz que o reassentamento das famílias que optaram por essa modalidade de indenização não começou porque a empresa negocia a compra dos terrenos para onde elas serão levadas.

De acordo com a empresa, o remanejamento das famílias da zona urbana de Altamira que serão afetadas pela elevação do nível do rio Xingu deverá começar em setembro. A previsão da Norte Energia é que 5.000 famílias sejam removidas de áreas de risco da cidade.

VER REPORTAGEM COMPLETA EM : http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1132069-moradores-da-area-de-belo-monte-ficam-sem-indenizacao.shtml