A Amazônia abriga a maior diversidade de vida do planeta e 12% das espécies de plantas já descritas, mas ainda precisa aprender a gerar lucro sem a destruição do meio ambiente.A primeira recomendação que um pesquisador recebe ao ingressar na equipe do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) é ficar de boca fechada. Para explorar economicamente um dos maiores santuários de vida selvagem do planeta, um dos cuidados básicos é assinar acordos de confidencialidade com os parceiros privados. Em ocasiões especiais, no entanto, a regra pode ser quebrada.

A clonagem do curauá – uma planta amazônica da família das bromélias, cujo fruto se parece muito com um abacaxi em miniatura – foi uma dessas ocasiões. Amargo demais para virar suco, o curauá entrou no radar dos pesquisadores após a descoberta do potencial econômico das fibras de suas folhas. Além de servir para revestimento de colchões e forro de carros, as folhas do curauá podem entrar na cadeia produtiva de celulares e equipamentos eletrônicos em substituição à fibra de vidro.

Nada mais simbólico do que um abacaxi para ilustrar o esforço do País na busca por um novo ciclo de desenvolvimento econômico para a Amazônia – uma região que tem no desmatamento o maior inimigo. O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo e a região amazônica abriga muitos de seus tesouros biológicos. Há 85 mil espécies descritas (43% do total do País). E isso representa apenas uma pequena parte do potencial estimado para a região. A flora, a fauna, os fungos e os micro-organismos da floresta são vistos como matéria-prima para a produção de remédios e alimentos. Só que toda essa riqueza não valerá nada, caso não seja estudada pela ciência. E está aí uma das dificuldades crônicas da região. A Amazônia ocupa 61% do território nacional, mas absorve apenas 4% dos doutores e grupos de pesquisa do País.

“São formiguinhas contra um gigante. Existe pesquisa de qualidade, mas não há escala para o desafio econômico e as oportunidades que a região representa para o País”, lamenta o pesquisador Ulisses Galatti, do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém.

Só que transformar pesquisa em dinheiro e tirar a Amazônia do limbo científico não são tarefas fáceis. É necessário conciliar interesses muitas vezes conflitantes. Os cientistas estão empenhados em superar a fronteira do conhecimento. Os empresários apostam na biodiversidade como fonte de lucros. E as comunidades locais dependem da natureza para sobreviver. São interesses que envolvem cifras atraentes. Só na última década, o Museu Goeldi, instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), descreveu 130 novas espécies, entre plantas, animais e fungos.

Em menos de um quilômetro quadrado da Floresta Amazônica há mais espécies de plantas do que em todos os países da Zona do Euro. Uma única árvore, por exemplo, é habitat de numerosos tipos de invertebrados, de formigas a aranhas, passando por abelhas e besouros.

Em número de plantas descritas, a Amazônia tem hoje catalogadas 60 mil espécies, o que representa 12% das espécies do planeta. E ainda há três mil espécies de peixes de água doce, 849 de anfíbios, 540 de mamíferos, 1.700 de aves, 693 de répteis e 13 mil de fungos. Além de ser de longe o bioma mais rico do planeta Terra, a Amazônia é, ao mesmo tempo, a floresta com o maior número de espécies descritas. Só que, paradoxalmente, é também onde se estima haver o maior número de espécies a descobrir.

Superar o desafio da biotecnologia vai muito além da identificação de novas espécies. É preciso isolar o princípio ativo (a substância que confere ação de interesse para a produção de fármacos, por exemplo) e descobrir onde aplicá-lo. Criado em 2002, o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) precisou de uma década para clonar as mudas do curauá – etapa obrigatória para garantir a produção em larga escala para a indústria. Resta agora atrair parcerias estratégicas. Ou seja, encontrar empresários que acreditem no potencial da fibra amazônica e de outro, rastrear comunidades locais dispostas a plantar as mudas.

A imensidão territorial e as transformações provocadas pela ação humana não bastam para explicar o desconhecimento sobre o potencial da biodiversidade amazônica. Estudos sobre esse tesouro no meio da selva, como o Censo da Biodiversidade, conduzido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, estão apenas no começo. A situação é agravada pela pequena quantidade de pesquisadores residentes na região, muitos deles motivados por posições ideológicas que se chocam com a ideia de explorar comercialmente o patrimônio genético nacional.

No ano em que o CBA foi inaugurado, em Manaus, o mercado internacional de produtos biotecnológicos movimentou US$ 780 bilhões. De olho nesse mercado o projeto saiu do papel para ser um centro de excelência na Amazônia. Visto como um projeto estratégico, a meta era abocanhar uma parcela dos negócios mundo afora. Pesquisas começaram a ser desenvolvidas nos laboratórios montados para explorar o potencial da floresta. Só que, nesses dez anos, os projetos ambiciosos minguaram, a ponto de a instituição ter corrido risco de virar um elefante branco.

Nenhuma patente foi registrada e o centro não tem personalidade jurídica própria, o que o impede de contratar cientistas diretamente. E pior: os recursos do CBA são originários somente dos impostos pagos pelas 600 empresas da Zona Franca de Manaus (Suframa).

Para evitar a paralisia, driblar a burocracia e impedir que o CBA virasse de fato um elefante branco, a saída foi se aproximar do setor privado e se submeter as regras de mercado. O sigilo passou a ser exigido nas pesquisas em andamento e as equipes de cientistas mudaram a dinâmica de trabalho. Agora, elas atuam apenas numa das etapas do desenvolvimento do projeto.

“Inicialmente, os colegas reagiram mal à ideia de trabalhar em linha de montagem. O Brasil não tem essa experiência. Os cientistas sempre foram vinculados à academia. Mas fomos obrigados a cortar esse vínculo. Não fazemos mais pesquisa básica”, analisa o farmacêutico José Augusto Cabral, coordenador de Produtos Naturais da instituição. “Quem planeja fazer um mestrado ou mesmo um doutorado, tem que procurar outro lugar para trabalhar”.

FONTE : O Globo  – http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=83618