A resolução de nº 011/2012 – da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS) do Governo do Estado do Amazonas que libera o uso do mercúrio na separação do ouro na região – abriu uma onda de preocupação na comunidade científica diante dos impactos negativos do produto no meio ambiente, nos rios, em peixes e em seres humanos.
A normativa foi publicada em 15 de junho pelo governo do Amazonas, via Conselho Estadual de Meio Ambiente, em plena realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, sob a alegação da ausência de outras tecnologias economicamente viáveis para substituir o mercúrio na separação do metal precioso e do impacto socioeconômico dessa atividade na região.
Reconhecendo os riscos do uso do mercúrio, o governo do Amazonas estabelece regras rígidas na Resolução em uma tentativa de suavizar as consequências. Cientistas, porém, consideram as regras insuficientes para eliminar os danos do produto tanto na natureza e na fauna aquática, quanto na saúde dos trabalhadores e da população em geral.
Considerando surpreendente a liberação do mercúrio na Amazônia, a pesquisadora Neuma Solange de Resende, do Programa de Engenharia da Química da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que esperava medidas para eliminar o uso do produto, a fim de atender às recomendações mundiais, e reduzir a ilegalidade na extração do ouro. Na Bacia do Rio Tapajós, por exemplo, estudos revelam que 99% dos garimpeiros trabalham sem as licenças ambientais e de mineração exigidas por lei.
“A liberação do mercúrio no Brasil é espantosa”, destaca a pesquisadora, uma das representantes do País na reunião bianual sobre mercúrio como poluidor mundial, evento que no ano passado foi realizado em Halifax, no Canadá.
Neuma alerta que a Amazônia já é uma região “absurdamente castigada” pelo mercúrio, exatamente por concentrar a maior parte da atividade mineradora do País. “Em algumas comunidades, próximas a garimpos, onde os níveis de poluição ambiental são assustadores, é enorme o número de pessoas contaminadas, sem tratamento adequado”, alerta pesquisadora.
Conforme entende Neuma, um dos graves problemas do mercúrio é o poder de contaminação no ambiente. Nos rios, os peixes são contaminados e ao consumi-los, o homem pode ser mortalmente intoxicado. “Se ocorre uma contaminação por mercúrio aí [em São Paulo] em algum momento sentirei o efeito aqui [no Rio de Janeiro]. Por ser volátil à temperatura ambiente, o produto se desloca por todas as redes que se possa imaginar: por correntes marítimas, fluviais, aéreas e terrestres. Por isso tratamos o mercúrio como um poluidor global”, exemplifica a pesquisadora da Coppe.
Outro lado – Embora reconheça o teor polêmico da questão, o secretário do Estado de Mineração do Amazonas, Daniel Nava, disse que o uso de mercúrio nos garimpos é a única alternativa viável no momento. “Ainda não temos uma tecnologia que venha substituir o mercúrio nessa atividade”, respondeu ele ao Jornal da Ciência.
Consultado, o vice-presidente da Cooperativa dos Garimpeiros do Rio Madeira, em Porto Velho (RO), Ariosmar Weis, disse desconhecer outras tecnologias disponíveis no mercado utilizadas na separação do ouro, além do mercúrio e do equipamento cadinho, que é liberado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Segundo Weis, o recipiente cadinho é a tecnologia “que temos” hoje no mercado. “É uma tecnologia moderna e não poluente”, disse. O dirigente da cooperativa aguardava a publicação da Resolução nº 011/2012, que libera o uso do mercúrio na separação do ouro em garimpos no Amazonas, para “dar continuidade aos trabalhos” nos garimpos.
Rigor da Resolução – Nava afirmou, entretanto, que a Resolução 011/2012 é rigorosa e exige cuidados das cooperativas nos garimpos. A norma estabelece, por exemplo, que os garimpeiros retenham todo o mercúrio utilizado no procedimento de separação do ouro e que usem os chamados cadinhos, recipientes resistentes à alta temperatura utilizados no processo de amalgamação (que mantém o ouro líquido e o mercúrio é evaporado ao ambiente), exigidos desde 2005 na atividade mineradora. As indicações são de que os cadinhos seguram a emissão do mercúrio e reduzem seu impacto no meio ambiente.
Ao explicar o funcionamento desses equipamentos, a pesquisadora da Coppe disse que além do cadinho, há uma retorta que permite a recuperação do mercúrio gasoso resultado do aquecimento da amalgama no processo de separação do metal precioso. Nesse caso, ela explica que a amalgama de mercúrio e ouro é aquecida o que faz com que esses sejam separados no cadinho – recoberto por uma retorta. No aquecimento do cadinho, o mercúrio evapora e fica o ouro no recipiente. Dessa forma, o mercúrio gasoso é recuperado através da retorta que o canaliza para um recipiente onde ele condensa novamente.
A pesquisadora da Coppe destaca, porém, que tal procedimento é insuficiente para minimizar o impacto da emissão do mercúrio no meio ambiente e na contaminação dos rios. “Falta informação e conscientização dos garimpeiros no uso de equipamentos adequados”, disse Neuma, referindo-se ao uso de tecnologias mais limpas do que o mercúrio na separação de metais preciosos.
Substituição do mercúrio – A Resolução 011/2012 exige também, segundo o secretário do Estado de Mineração do Amazonas, a substituição progressiva do mercúrio na separação do ouro. Nesse caso, Nava acrescenta que o governo estuda parcerias com a Secretaria do Estado de Mineração, com o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) e outros órgãos para buscar alternativas que substituam tanto o mercúrio, na separação do ouro, como outros produtos nocivos à saúde do trabalhador.
A intenção, segundo Nava, é começar os trabalhos de pesquisa pelo Rio Madeira, o qual será inserido no Programa Nacional de Qualidade de Água pela primeira vez. Conforme lembra Nava, a atividade de garimpos no Amazonas, particularmente no Rio Madeira, remonta há 50 anos, mais ou menos. Até agora, porém, não há um levantamento histórico sobre a questão da exploração dessa atividade nesse rio. “Queremos recuperar um pouco a história da produção do ouro e da qualidade de água”, afirma Nava, sem destacar os investimentos em pesquisa.
“Nossa expectativa é de que os primeiros resultados dos investimentos da pesquisa sejam apresentados no fim de 2013 e que sejam inseridos em alguns capítulos do Plano Estadual de Recursos Hídricos, a ser enviado à Assembleia Legislativa no primeiro trimestre de 2014”, informou. O objetivo é “salvaguardar” todos os cuidados previstos na Resolução 011/2012 para que sejam utilizados em qualquer tipo de licenciamento no estado do Amazonas futuramente.
Nava destaca a representatividade socioeconômica do ouro na região, principalmente quando as águas do Rio Madeira estão mais baixas, período em que quase quatro mil famílias com pequenas balsas são atraídas pelo extrativismo do ouro.
Produção de mercúrio – Conforme a pesquisadora da Coppe, o garimpo é o principal consumidor de mercúrio do mundo, responsável por 30% de todo mercúrio usado nas diferentes aplicações industriais. “Estima-se que sejam despejadas 1,4 mil toneladas anuais de mercúrio no planeta”, acrescenta o brasileiro Marcello M. Veiga, professor da University of British Columbia, do Norman B. Keevil Institute of Mining Engineering, situado em Vancouver, no Canadá.
A quantidade de mercúrio utilizada no processo de amalgamação é proporcionalmente maior do que a quantidade de ouro extraído. Para cada tonelada de ouro, segundo Neuma, são utilizadas aproximadamente três toneladas de mercúrio, quantidade que se soma ao volume jorrado naturalmente no planeta Terra por fontes naturais, como vulcões.
Produção de ouro – Estima-se que no Brasil a mineração artesanal e em pequena escala produz cerca de seis toneladas de ouro por ano, gerando 200 mil empregos. Enquanto no mundo, em mais de 70 países, a mineração em pequena escala e os garimpos artesanais empregam 15 milhões de pessoas, responsáveis por cerca de 350 toneladas de ouro por ano.
“Como o mercúrio é bem mais barato não há preocupação na recuperação do produto. E não há como o ser humano se proteger do mercúrio”, lamenta a pesquisadora.
Panorama mundial – Além do Brasil, o uso do mercúrio em garimpos é proibido também na Indonésia e Guiana Francesa (França). Os demais países não possuem uma legislação específica. Existem, porém, legislação nos Estados Unidos e Europa, onde há uma pressão forte para cortar o fornecimento do mercúrio, proibir tanto a comercialização quanto a fabricação. Mesmo assim, a Holanda é o maior fabricante de mercúrio mundo.
Carta aberta sobre o uso do mercúrio nos garimpos de ouro
Texto assinado por Ennio Candotti, diretor do Museu da Amazônia e vice-presidente da SBPC, e por Vera Silva, conselheira do Museu da Amazônia foi encaminhado ao governador do Amazonas e aos ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Meio Ambiente e da Saúde. Confira a íntegra da carta abaixo.
Exmo Sr Omar Aziz
Governador do Estado do Amazonas
Manaus 2 de julho de 2012
Temos notícia que através de resolução 011-2012 da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável está sendo autorizado, sob condições restritivas, o uso do mercúrio nos garimpos de ouro.
Alega-se em defesa da regulamentação que a manipulação do mercúrio não poderá ocorrer com perdas de substância para o meio ambiente ou de inalação de gases pelos garimpeiros. Promete-se, na resolução, uma fiscalização severa.
Desejamos alertá-lo, Sr. Governador, que o mercúrio é considerado metal extremamente tóxico – fato que não é mencionado na resolução 011 – seu uso tem sido reduzido na maioria dos países e, em muitos, a restrição é total. A Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial do Trabalho determinaram índices de tolerância para sua presença nos organismos humanos e severas normas que limitam o seu uso e manipulação.
O mercúrio tem a particular propriedade de se acumular nos organismos dos peixes e das pessoas que o ingerem e sem a capacidade fisiológica de eliminá-lo as taxas de concentração no organismo se elevam velozmente.
Pesquisas realizadas nos últimos cinquenta anos, particularmente após o grave acidente de Minamata ocorrido no Japão em 1956, demonstram que a tolerância à ingestão de mercúrio é de 0,0005g/kg. A partir desse limite podem ocorrer sérios distúrbios neurológicos, perda de acuidade visual, malformação de fetos e demência.
Regularizar a atividade garimpeira e retirá-la da clandestinidade é algo louvável, mas isto não pode custar a liberação do despejo de mercúrio nos rios e no ambiente, que já ocorre em quantidades acima do tolerável e poderá ocorrer em volume muito maior. O preço para a saúde do povo amazonense é muito alto.
As garantias de rigoroso controle expressam a melhor das intenções, mas é difícil convencer-se que de fato serão eficazmente implementadas. Nossas dúvidas e incertezas sobre os teores tóxicos de mercúrio já presentes nos peixes amazônicos aumentarão com a aprovação da mencionada resolução normativa.
Condena-se toda a população da Amazônia a sofrer em sua saúde as consequências do interesse econômico de uma parte dela. Os garimpeiros têm todo o direito de exercer sua profissão e dela extrair sua renda, mas esta não pode ser exercida às custas de danos irreversíveis à saúde de todos, inclusive dos próprios garimpeiros.
Trata-se da quebra de um compromisso ético fundamental, que o Estado deve defender e praticar: não se pode causar mal a todos para atender a interesses de alguns, mesmo que isso ocorra com o objetivo de implementar políticas publicas voltadas à regulação e controle de atividades ilegais.
Afinal não é dado a cada cidadão o direito de escolha se quer ou não se intoxicar com mercúrio. Ao ensejar a contaminação de alimentos que não são diariamente controlados ele é obrigado a ingerí-los sem opção de recusá-los. Por outro lado, a opção de não mais consumir peixe prejudicará o sistema de segurança alimentar do Estado e a comunidade dos pescadores.
É nosso dever cívico informá-lo do grave equívoco que está sendo cometido por sua administração, ele poderá favorecer a ocorrência de desastres ambientais com danos à saúde da população de grandes proporções como os que ocorreram em 1988 em Goiânia com o Césio radioativo ou em Minamata com o próprio mercúrio.
Temos notícias, Sr Governador, que existem métodos de separação do ouro nos garimpos que não precisam utilizar o mercúrio. Tecnologias limpas que fazem uso do cianeto, experimentadas com sucesso nos últimos anos em garimpos do alto Tapajós. Essas tecnologias se encontram disponíveis, podem ser aperfeiçoadas e já estão adaptadas às condições amazônicas.
Colocamo-nos a seu dispor para apresentar estas alternativas se assim considerar útil ou se sua assessoria persistir em desconhecê-las.
Certos de que contaremos com sua atenção e que medidas reparatórias serão estudadas e implementadas para evitar danos maiores à economia e à saúde da população do Amazonas e estados vizinhos,
Subscrevemos atentamente
Ennio Candotti – Diretor do Museu da Amazônia
Vera Silva – Conselheira do Museu da Amazônia
FONTE : Jornal da Ciência
claudio
imteresante muitos se preocupa com garimpinho e com um pouco demercurio mas niguem fala demierradoa debauchita no amazonas que poluio toda agua dos ribeirinho e estrativista nao ve comentario de uzina que esta devastando rios evenenos de lavoura rio telespires procimo sinop 5 horas da manha o vapor da agua tem cheiro de veneno obc
Julia
Estou sem palavras, a carta diz tudo! Se depois dessa aula extraordinária, providencias não forem tomadas realmente o mundo ta perdido. Primeiro que o desenvolvimento sustentável não tem nada de sustentável, percebe-se isso pelo tão famoso novíssimo código florestal que simplesmente e indiscretamente acabou com a APP. Com todas essas situações acontecendo fica difícil acreditar que realmente existe sustentabilidade no nosso País e muito fácil ver o interesse econômico absoluto em todas essas ações que visam o comércio, lucro e consumo a todo custo!!! O futuro das espécies, inclusive humana se torna incerto num futuro cada vez mais próximo..