Uma medida do governo do Amazonas para regulamentar os garimpos de ouro no Estado está sendo questionada pela comunidade científica local, que teme o agravamento dos altos níveis de mercúrio nos rios da Amazônia. Usada na extração do minério, a substância tóxica é manejada pela crescente leva de pequenos garimpeiros que chega à região.
Publicada em 15 de junho, a resolução 011/2012 tem o objetivo de combater os garimpos clandestinos, estabelecendo normas para as cooperativas locais. Segundo os pesquisadores, porém, a normativa – feita sem que os estudiosos sobre os impactos ambientais fossem consultados – legitima o uso do mercúrio com uma fiscalização pouco eficiente.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o nível máximo aceitável para o ser humano é de 50 partes por milhão (ppm) de mercúrio no organismo. Os pesquisadores lembram que em regiões amazônicas como o Alto do Rio Negro, com alto grau da substância naturalmente presente no solo, a concentração média em populações ribeirinhas chega a 70 ppm.
“Correr o risco de aumentar esse nível é uma temeridade, especialmente em áreas de alto consumo de peixe”, afirma o diretor-geral do Museu da Amazônia, Ennio Candotti, que enviou ao governo estadual uma carta aberta de protesto.
A resolução propõe a fiscalização do uso obrigatório do cadinho, ferramenta que auxilia na extração do ouro e recupera o mercúrio queimado para evitar a contaminação. “Não há notícia de fiscalização eficaz no Estado, o que torna pouco razoável acreditar que isso vá ocorrer. É preciso dizer qual o efetivo e com que frequência será feita a vigilância”, afirma Candotti.
Corrida do ouro. Hoje, segundo o Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado do Amazonas, apenas no Rio Madeira cerca de 3 mil famílias dependem da atividade garimpeira. Pesquisadores da região alertam que a forte alta no preço internacional do ouro pode causar um aumento drástico na extração clandestina, que pode se refletir em maior contaminação de mercúrio.
“A corrida do ouro já ocorre por causa do preço. Nos anos 1980 houve grandes prejuízos ambientais pelo excesso de exploração, e corremos o risco de reavivar isso”, diz Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Para Bruce Forsberg, que também faz pesquisas pelo Inpa, dificilmente esse crescimento na atividade poderá ser acompanhado por uma prática segura do uso de mercúrio. “Além dos diversos garimpos informais, há muitos locais remotos na Bacia Amazônica, o que torna a fiscalização cara e difícil”, afirma Forsberg.
Com poucas alternativas viáveis, alguns especialistas sugerem o uso de cianeto na pequena atividade mineradora. A substância, que também é altamente tóxica, causa danos imediatos à saúde em caso de exposição, mas não se acumula na natureza.
Essa alternativa, porém, é refutada pelo presidente do Instituto de Proteção do Amazonas (Ipaam), Antonio Stroski, um dos criadores da resolução.
Para ele, a regulamentação é um primeiro passo para que, futuramente, sejam buscadas formas limpas de extração nos pequenos garimpos. “Esse processo não ocorre de forma abrupta, pois é um processo social. Podem haver questionamentos, mas essa resolução é um avanço. É um instrumento necessário para controlar uma prática que já existe há muito tempo”, afirma.
O secretário estadual de Mineração, Geodiversidade e Recursos Hídricos, Daniel Nava, diz que o aumento do extrativismo é controlado. “A atividade nos municípios às margens do Rio Madeira movimenta R$ 2 milhões ao ano. É algo que ocorre há 50 anos, mas que não era padronizado”, afirma. Ele admite, no entanto, que a atividade ilegal, especialmente em áreas indígenas, é de difícil fiscalização.
Uma reunião para debater a resolução estava marcada para a semana passada, mas foi remarcada para o dia 14. As cooperativas e pequenos garimpos têm até meados de setembro para se adequar às exigências do conselho.
USP tem projeto de apoio ao minerador.
A Universidade de São Paulo (USP) promete investir R$ 600 mil nos próximos três anos para promover o desenvolvimento de técnicas “limpas” para a extração de minérios com a criação do Núcleo de Apoio à Pequena Mineração Responsável.
Até a publicação do edital, que deverá ocorrer no início de agosto, pesquisadores do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo, da Escola Politécnica da USP, vão selecionar pequenos garimpos de ouro e cassiterita em Estados mineradores do País, como Amazonas, Amapá, Rondônia e Pará. Entre os projetos em estudo está uma parceria com a Cooperativa dos Garimpeiros do Rio Madeira.
O professor Giorgio de Tomi, que deverá ser um dos responsáveis pelo núcleo, explica que a intenção é atuar nos demais bens minerais. “A abrangência dessa iniciativa é ampla e cobre todos os bens minerais que são alvo de operações artesanais”, afirma. “Trata-se de um grande desafio, mas a mineração e a sociedade em geral não têm alternativas. Temos de identificar soluções práticas que possam ser adotadas pelos garimpeiros e pelos trabalhadores artesanais.”
Segundo Tomi, a iniciativa é um projeto de longo prazo, que pretende atrair recursos externos muito mais significativos, vindos de agências de fomento, organizações ambientais e iniciativa privada. “Existe tecnologia mercury free que é acessível e simples de usar, mas precisamos de um esforço da sociedade em geral para implantá-la de forma eficiente e eficaz”, afirma.
Para ele, uma medida paliativa menos prejudicial é substituir o mercúrio pelo cianeto. “Essa substância pode ser neutralizada em um processo simples e barato. É muito mais simples e menos arriscado que usar maçaricos e cadinhos (com mercúrio), basta ensinar e apoiar os garimpeiros para tanto”, afirma o professor. O núcleo deve ser implantado no segundo semestre deste ano.
BRUNO DEIRO – O Estado de S.Paulo
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