No último dia de eventos paralelos da Funai na Rio+20, ocorrido nesta quinta-feira, 21, foram abordadas, no período da manhã, as políticas de proteção em terras indígenas desenvolvidas pelo órgão e, à tarde, os casos específicos das Terras Indígenas (TIs) Marãiwatsédé, do povo Xavante, no Mato Grosso, e Cachoeira Seca, do povo Arara, no Pará, em uma mesa de diálogos.

Na parte da manhã, participaram das discussões Aluisio Azanha, assessor da presidência da Funai; Carlos Travassos, coordenador-geral de Índios Isolados e Recente Contato; Giovana Acácia, coordenadora-geral de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas; e Thomás Sottili, da Coordenação-Geral de Monitoramento Territorial.

Aluisio Azanha destacou a relevância dos diversos temas debatidos na Rio+20 – como desenvolvimento sustentável, conservação da biodiversidade, sustentabilidade econômica e gestão ambiental e territorial – como condição para a demarcação e a posse desses povos sobre suas terras. “A política de proteção das terras indígenas compreende as ações de demarcação, vigilância, fiscalização e política de proteção de índios isolados, tendo como finalidade a garantia da posse plena dos povos indígenas sobre seus territórios e o usufruto exclusivo sobre os recursos naturais nele existentes”, alertou.

Durante o painel, foram apresentadas as ações da Funai na área de proteção territorial, buscando não só informar como são os procedimentos, mas também os entraves para implementação dessa política, de forma a construir estratégias e caminhos para a superação das dificuldades encontradas. “Um exemplo é a judicialização dos processos administrativos da demarcação, levando a uma morosidade ainda maior no reconhecimento dos direitos territoriais, ocasionando acirramento dos conflitos fundiários e dilapidação das terras indígenas em processo de demarcação”, informou Azanha. Casos como Marãiwatsédé e Urubu Branco, no Mato Grosso, e Cachoeira Seca, no Pará, foram citados pelas próprias lideranças presentes no encontro.

Outro ponto debatido foi o contexto político atual, contrário ao reconhecimento dos direitos territoriais dos povos indígenas. “As iniciativas tendentes a restringir os direitos advém do Poder Executivo, do Legislativo e do Judiciário. A PEC 215 é um exemplo e a judicialização dos processos é outro, com decisões contrárias aos processos de demarcação”, frisou o assessor.

Dentro desse tema, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) demonstrou preocupação quanto às condicionantes do julgamento de Raposa Serra do Sol e suas implicações sobre o processo de demarcação e gestão territorial. Principalmente a condicionante que veda a ampliação de terras indígenas.

Os representantes da Associação Yanomami Hutukara levantaram a questão das terras indígenas regularizadas que sofrem invasões ou estão pendentes de retirada de ocupantes não índios. Nesse sentido, foram debatidas ações de fiscalização para as terras indígenas com foco na necessidade de articulação interinstitucional entre a Funai, a Polícia Federal e os órgãos ambientais, a fim de garantir a eficácia dessas ações, e a importância do protagonismo indígena na vigilância de seus territórios, temas tratados na Política de Gestão Ambiental e Territorial em Terras Indígenas (PNGATI). “A eficácia das ações, no entanto, dependem de estarem integradas a outros temas como educação, saúde, direitos sociais e etnodesenvolvimento”, lembra Azanha.

Foi apresentado ainda o Programa de Capacitação em Proteção Territorial que prevê a instrumentalização de indígenas e servidores da Funai para o monitoramento de terras indígenas. É objetivo do programa promover a participação, o protagonismo e autonomia dos povos indígenas sobre seus territórios para o desenvolvimento de atividades de prevenção a incêndios, vigilância indígena, monitoramento territorial, entre outras.

“A participação expressiva de lideranças indígenas e suas organizações no debate demonstra que o tema da demarcação e proteção de terras indígenas continua sendo uma pauta estratégica e prioritária para a garantia dos demais direitos dos povos indígenas, como saúde, educação e sustentabilidade econômica”, avaliou Aluisio Azanha.

TIs Marãiwatsédé e Cachoeira Seca

Na parte da tarde foi a vez da mesa de diálogos sobre as terras indígenas com maior taxa de desmatamento na Amazônia, estando, em primeiro lugar, Marãiwatsédé/MT e, em segundo, Cachoeira Seca/PA. Participaram da mesa: Carolina Rewappu, representante do povo Xavante; Fábio Nogueira, chefe da Frente de Proteção Etnoambiental do Médio Xingu; e Ivar Busatto, da Operacão Amazônia Nativa (Opan).

Carolina Rewappu, representante do povo Xavante, apresentou o histórico da terra indígena Marãiwatsédé. Muito emocionada, Carolina relatou o despojo e a violência vivenciada por seu povo que, na década de 1960, foi removido de maneira forçada para a Terra Indígena São Marcos/MT devido a instalação da empresa Agropecuária Suiá-Missú em suas terras. Com a saída da terra e o contato com os não índios, uma epidemia de sarampo atingiu o grupo e aproximadamente 150 pessoas morreram.

“Essa história é muito triste porque meu povo sofreu muito depois do contato com o branco. Os velhos contaram para nós e nós contamos para nossas crianças. Temos que contar a história para nunca esquecer. Não podemos esquecer nossa identidade. Não queremos ser como branco, queremos ser índios”, relatou Carolina.

Em 1980, a fazenda Suiá-Missu foi vendida para a empresa petrolífera italiana Agip. Durante a Eco 92, a Agip foi pressionada a devolver a terra aos Xavante e, partir daí, a Funai iniciou os estudos de delimitação e demarcação da terra indígena. Antes que pudesse ser regularizada, a área sofreu invasões em massa de posseiros, o que dificultou o retorno dos índios após a sua legalização.

Marãiwatsédé foi homologada em 1998, mas enfrentou diversos recursos judiciais de manutenção de posse. Em de agosto de 2004, os indígenas  decidiram retornar à terra e entraram numa parte que representa 10% do que têm direito. Essa trajetória é lembrada com muito pesar pelo povo. “Não posso falar muito porque é muita tristeza. Os velhos que esperavam uma terra de esperança já estão morrendo, depois de 20 anos de luta”, concluiu Carolina.

Em agosto de 2010, uma decisão do TRF de Mato Grosso decidiu a favor dos Xavante, reconhecendo seu direito à TI Marãiwatsédé. Este ano, já houve nova decisão judicial autorizando a retirada dos invasores. Segundo Aluísio Azanha, a ocupação de todos os não índios que estão na TI foi considerada de má-fé e a Funai irá apresentar um plano de extrusão no prazo de um mês. “A gente não tem só um compromisso político com a desintrusão da terra, mas uma obrigação jurídica. Temos que fazer a desintrusão e garantir ações para a recuperação ambiental da terra indígena e a reocupação do território pelo povo Xavante, de forma a garantir que ela não seja invadida após a posse plena. E o plano de desintrusão tem de ser articulado ao plano de gestão territorial”, acrescentou.

No caso da TI Cachoeira Seca, o povo Arara foi fortemente impactado pela abertura da rodovia Transamazônica, em 1971, que atingiu diretamente o território e os padrões tradicionais de autonomia e articulação intercomunitária do povo. No mesmo ano, a Funai cria a Frente de Atração Arara (FAA) para atrair o grupo de forma a protegê-lo das atividades referentes à estrada e, em 1988, foi contatado o primeiro grupo residencial que se localizava no rio Penetecaua, margem norte da rodovia. Por pressões das frentes colonizadoras, aquela comunidade foi obrigada a ocupar somente a região sul (Terra Indígena Arara I).

Após indícios da presença de outro grupo, até então não contatado, a Funai interdita uma área de 1.060.400 hectares e, em 1988, procedeu-se o contato definitivo com os Arara ocupantes da região dos Igarapés Olhões, Liberdade e Curuá-una, abrangendo a região da Cachoeira Seca.

Em 22 de janeiro de 1993, a Terra Indígena Cachoeira Seca foi declarada como de ocupação tradicional indígena, mas passou por diversas contestações jurídicas e uma anulação da portaria declaratória em 1997. Em 2004, a Funai determinou a realização de novos estudos, resultando em nova proposta de identificação e delimitação para a terra indígena, com superfície de 734.027 hectares. Os novos estudos foram aprovados pelo Presidente da Funai e a portaria declaratória foi assinada em 2008. A TI Cachoeira Seca ainda não foi homologada.

Um levantamento apresentado por Fábio Nogueira, chefe da Frente de Proteção Etnoambiental do Médio Xingu, demonstrou o aumento expressivo das taxas de desmatamento desde o início da abertura da Transamazônica com um registro de 500 ha/ano para 2.700 ha/ano em 2004. Segue o mesmo ritmo a ocupação da terra indígena por não indígenas que passou de 311 ocupações, em 1992, para 1.171 em 2011. Fábio destacou a natureza dessas ocupações que conta com 54% de grandes fazendas. “Esse dado é importante porque desmonta o argumento de que os ocupantes são colonos”.

FONTE : www.funai.gov.br