O Brasil conseguiu o que queria com o documento-base da Rio+20 que agora será levado a chefes de Estado: evitar o retrocesso em pontos já acertados na Rio92, há 20 anos. O maior avanço, no entanto, se resume à criação de uma agenda para os próximos três anos. Mais uma vez, o sistema multilateral foi salvo. Mas a distância entre o que os governos avançaram em seu acordo de ontem, no Riocentro, e o que a ciência tem constantemente indicado que precisa ser feito continua imensa. A Rio+20 só não é um fracasso porque a expectativa em torno dos resultados da conferência sempre foi muito baixa.
O texto-base de “O Futuro que Queremos” dificilmente será reaberto nos próximos dias. Tem 283 parágrafos em 49 páginas. Não passará para a história e nem é especial. Se tem algum mérito é o de abrir alguns processos importantes – que só no futuro se saberá se funcionaram -, aumentar a consciência desse debate no Brasil e incentivar a postura sustentável dos negócios. A governança institucional do desenvolvimento sustentável e do ambiente, no sistema das Nações Unidas, também avançou.
Depois de aceitar o texto apresentado em plenária pelo ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota – o que levou 30 segundos, sem nenhuma objeção dos delegados de 193 países -, os negociadores começaram a elogiar o trabalho da diplomacia brasileira e a fazer seus comentários. O delegado dos Estados Unidos disse que o resultado era “balanceado”, que estavam desapontados por não haver menção aos “direitos de reprodução” – ideia que tinha o apoio europeu mas forte objeção do Vaticano -, e satisfeitos que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estejam lá. Cuba disse que o resultado não era “tão negativo” e que o Princípio das Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas foi preservado, mas que o texto não era bom no capítulo do dinheiro – uma impressão compartilhada pelos países em desenvolvimento.
“Chegamos aqui com 30% do texto acordado e hoje temos um texto 100% acordado por 193 países”, disse Patriota ao término da plenária. “Foi uma vitória do multilateralismo.” Sem dúvida. Só que o Brasil ficou sempre na defensiva e, na prática, a Rio+20 apenas cria grupos de trabalho para que planejem o desenvolvimento sustentável nos próximos dois anos. Decisões concretas, com metas e objetivos, não saíram do Riocentro.
Em oceanos o Brasil teve sua maior derrota. A proposta defendida pelo Brasil e pela Europa, entre outros países, era que a Rio+20 abrisse um processo para a criação de um mecanismo legal que protegesse os oceanos em áreas de alto mar e também regulamentasse a exploração da biodiversidade em regiões fora das jurisdições nacionais. A proposta, no entanto, enfrentou resistência dos EUA, Canadá, Japão, Rússia e Venezuela.
Tentava-se proteger dois terços do planeta que estão sem cuidados e avançar em um debate que já acontece há seis anos. “O alto-mar não pertence a nenhum país e pertence a todos”, disse Matthew Gianni, co-fundador da Deep See Conservation Coalition. Depois da Rio+20, o alto-mar continuará desprotegido. “Perdemos uma oportunidade histórica no Rio”, concluiu. Alguma decisão nessa área, se acontecer, foi postergada para até setembro de 2016.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram reconhecidos como uma necessidade. Uma comissão formada por representantes dos países irá definir algo, se tudo der certo, até 2014. Não se sabe em que áreas – não se sabe se em oceanos, água, energia, cidades. Isso ficou para depois. “Mas é uma ideia muito nova, que existe há apenas um ano e tem que amadurecer”, destacou o chefe dos negociadores brasileiros, embaixador André Corrêa do Lago.
No capítulo de recursos, voltou-se a se falar no compromisso de os países ricos de dedicarem 0,7% de seu Produto Interno Bruto à ajuda internacional. Essa proposta já existe desde 1992, mas nunca foi completamente cumprida. O comissário europeu Janez Potocnik disse que a Europa tem destinado 0,4% de seu PIB. Em entrevista, ele lembrou que esses recursos representavam US$ 53 bilhões em 1992 e dez vezes mais – US$ 547 bilhões – em 2010. No período, o mundo em desenvolvimento tinha uma fatia de 8% do PIB mundial, que em 2010 saltou para 35%. “Mas isso não é bem distribuído, por isso nos preocupamos em que esses recursos cheguem aos países mais pobres do mundo”, explicou. Dinheiro novo, evidentemente, não há.
Na madrugada de terça, Potocnik havia demonstrado seu descontentamento com a falta de ambição do rumo das negociações e a pressa do Brasil em fechar o texto antes da chegada dos chefes de Estado. “Não é o tempo que nos move. Achamos que o conteúdo é que é importante”, disse. “O ministro Patriota teve uma reunião com os europeus, que estavam pegando muito duro”, conta uma fonte. “Para eles é fundamental voltar aos seus países dizendo que a União Europeia buscou maior ambição na Rio+20. Nós entendemos.”
A definição de economia verde teve que ser ajustada para satisfazer União Europeia e Estados Unidos, de um lado, e tirar os temores de países em desenvolvimento. Os Estados Unidos exigiram cuidado com todos os termos que envolvem transferência de tecnologia. A China queria a manutenção, no texto, dos Princípios das Responsabilidades Comuns Porém Diferenciadas, que existe há 20 anos, é um conceito implantado nas negociações de clima e garante que os países ricos têm que fazer mais, dar mais dinheiro e se esforçar mais que os outros.
A governança institucional foi vista como um avanço pelos delegados, mesmo se o Pnuma, o braço ambiental da ONU, que é apenas um programa há 40 anos, não tenha se tornado uma agência, como queriam europeus e africanos. Mas seu poder de fogo, influência e autonomia foi ampliado. Também se criou um Fórum de alto nível sobre desenvolvimento sustentável, nas Nações Unidas, para tentar coordenar estas políticas e decisões. Outro ponto importante do documento foi reconhecer, no segundo parágrafo, que a erradicação da pobreza é o grande desafio global que o mundo enfrenta hoje.
A reação das ONGs, que já haviam sinalizado que o texto da Rio+20 não tinha nenhuma – ou pouca – ambição, veio dura. Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace International disse que “o futuro que queremos ficou um pouco mais longe hoje”. E avaliou: “A Rio+20 virou um fracasso épico. Falhou na equidade social, falhou na ecologia e falhou na economia.” Para Carlos Rittl, coordenador do WWF na Rio+20, “‘O Futuro que Queremos’ não foi definido claramente e fica no processo que, esperamos, siga acontecendo.”
Por: Daniela Chiaretti
Fonte: Valor Econômico
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