Rio+20 – Especialistas discutiram a importância do conhecimento tradicional e indígena em diversas esferas, como na educação, política, meio ambiente e medicina.

De vítimas da exploração dos recursos naturais a atores do cenário sócio, político, econômico e ambiental internacional. Fazer essa passagem é um dos principais objetivos – já em curso – das comunidades indígenas e tradicionais de todo o mundo, o que garantiria não só a sobrevivência desses povos, mas também a de todos os outros. Isso porque esses grupos estão passando de objeto de estudo a criadores de novos paradigmas, estabelecendo uma relação cada vez mais igualitária com as classes dominantes. 

Os detentores do conhecimento indígena e tradicional querem mais do que simples reconhecimento, querem participar ativamente da cadeia de produção. Essa foi uma das discussões que aconteceram ontem (13) no Fórum sobre Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, organizado pelo International Council for Science (ICSU), na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). A mesa tinha como título ‘Indigenous Knowledge and sicence: from recognition to knowledge co-production’ e contou com participantes do Brasil, Colômbia, Filipinas e Nicarágua, além de representantes de organizações científicas internacionais.

Douglas Nakashima, responsável da Unesco para assuntos de Conhecimento Indígena, abriu o painel lembrando que, “apesar de existir há milênios”, a sabedoria tradicional “continua muito atual”. Ele destacou que desde a Rio-92 o tema vem obtendo espaço em discussões internacionais. 

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS), afirmou que o conhecimento tradicional “não é estático” e que pode contribuir às bases de dados científicos. “Precisamos conservá-lo, protegê-lo, é uma pesquisa em curso que interessa ao mundo inteiro”, reforça, lembrando do papel desse conhecimento nas investigações sobre biodiversidade e na conservação do meio ambiente.

Índios, a política e a medicina – Com uma exposição que emocionou a plateia, o colombiano Roberto Marín, da Asociación de Capitanes y Autoridades Tradicionales Indígenas del Pira Paraná, foi ao evento falar de seu trabalho representando 2.500 índios de seis grupos étnicos dessa região da Amazônia colombiana. Ele relatou como a sabedoria dessas pessoas, em especial a dos ‘jaguares’, os conhecedores dessa herança cultural, vem influenciando nas decisões políticas e sociais da região. E deu como exemplo a delimitação dos territórios indígenas, a criação de calendários ambientais e a influência no sistema educacional da área. 

“Queremos contribuir [a partir dos nossos parâmetros] em relação a temas como o aquecimento global, por exemplo, não só dentro da Colômbia, mas também com todos os países amazônicos e o resto do planeta”, pontuou. Em 2011, a Unesco reconheceu como patrimônio imaterial da humanidade o conhecimento tradicional dos xamãs jaguares do Pira Paraná.

Por sua vez, Jaqueline Evangelista, coordenadora da Articulação Pacari, discursou sobre o trabalho feito para se obter o reconhecimento da medicina tradicional do Brasil, mais especificamente das chamadas Farmacinhas do Cerrado. Ele lembra que há cerca de 12 mil espécies de plantas no Cerrado e apresentou o trabalho dos autointutulados “raizeiros” e “raizeiras”. 

As “farmacinhas” podem ser caseiras ou comunitárias e produzem 40 tipos de remédios a preços acessíveis (ou obtidos por doação). Por não terem uma legislação que reconheça seu trabalho, é comum que esses espaços sejam fechados frequentemente pela Vigilância Sanitária. “Precisamos de um arcabouço jurídico para demonstrar que esses remédios são seguros e eficazes”, afirma Jaqueline, lembrando que o processo de produção passaria por uma regulamentação, que garantiria uma coleta segura dos elementos, as boas práticas na hora da preparação e a segurança das indicações.

Conhecimento indígena e educação – Representando o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Assuntos Indígenas e também o Centro para La Autonomía y Desarrollo de los Pueblos Indígenas da Nicarágua, Myrna Cunningham falou sobre a entrada do conhecimento indígena na academia, passando de uma política de cotas e inclusão para alunos à chegada aos tablados dos professores, o que proporciona um “diálogo intercultural muito mais amplo”. 

Um dos exemplos é Cátedra Indígena Itinerante (CII), dentro da Universidade Indígena Intercultural (rede de centros associados de mais de 20 países), uma instância de difusão, intercâmbio e construção coletiva de conhecimento que conta com a participação de nações latino-americanas e da Espanha. Entre os temas discutidos na cátedra estão direitos humanos, identidade e diversidade culturais, espiritualidade, geopolítica e relações de descolonização. Segundo Myrna, mais de mil jovens indígenas já participaram dela.

No entanto, em termos de difusão do conhecimento indígena em outras esferas, Myrna conta que o grande desafio é passar do reconhecimento à aplicação prática. “Os indígenas ainda enfrentam constantemente o problema de ter que negociar por seus direitos diante de projetos como represas e indústrias extrativistas. Não existe um mecanismo sistemático de participação ou consulta a eles, essa é uma realidade em diversas partes do mundo”, lamenta, em resposta a uma pergunta sobre a polêmica em relação à usina hidrelétrica de Belo Monte. 

Dentro do tema ambiental, Joji Carino, representante do Tebtebba, Centro Internacional dos Povos Indígenas para Políticas de Pesquisa e Educação, situado nas Filipinas, destacou a “relação sagrada” de muitos índios com a natureza, o que facilita a conservação das áreas protegida. Ela fez uma comparação de áreas de proteção comuns com áreas onde habitam índios e o resultado é que as áreas controladas por esses povos apresentariam melhores índices de conservação.

Durante o painel, foi lançado o livro ‘Weathering Uncertainty – Traditional Knowledge for Climate Change Assessment and Adaptation’, publicado pela Unesco e pela United Nations University, sobre a vulnerabilidade, preocupações e capacidade de adaptação dos povos indígenas e comunidades marginalizadas. 

FONTE : Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência