Em palestra ministrada no último sábado (16), a socióloga, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e diretora da SBPC, Edna Maria Ramos de Castro falou sobre o processo histórico de ocupação da região amazônica e questionou o modelo de desenvolvimento econômico usado no Brasil, que contrasta com a visão de comunidades tradicionais e indígenas sobre a relação entre homem e natureza.Dando continuidade ao ciclo de debates promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na Rio+20, a pesquisadora da UFPA, Edna Castro ministrou a palestra ‘Amazônia, Sociedade e Natureza’, no dia 16 de junho, no Armazém da Ciência, no Píer Mauá. Sua exposição tratou sobre o cenário atual da região amazônica do ponto de vista de como a sociedade preserva natureza. Para isso, o raciocínio da pesquisadora passava pela definição dessa ‘sociedade’ e do conceito de ‘natureza’. 

Edna se refere à importância de estudar a Amazônia como uma área continental que ultrapassa as fronteiras brasileiras, que estão mais abertas devido à pressão das atividades econômicas na região. “Novas atividades precisam de terra e a pressão sempre é sobre as terras”, explica ao falar que, em geral, as polêmicas sobre a região tratam sobre as formas de uso do território, contrastando os movimentos de ocupação e a preservação da biodiversidade.

 

“A riqueza [da biodiversidade] da Amazônia permite que o mundo pense no Brasil como uma grande potência e essa ideia mobiliza recursos públicos e interesses diversos, empresariais ou não, do País ou não. O Brasil, como país forte na região, acaba determinando o ritmo dessa ocupação”, diz a socióloga, citando exemplo de projetos do BNDES, Petrobras e Vale nas fronteiras da Amazônia. Ela afirma que os países vizinhos acabam tomando decisões semelhantes sobre o desenvolvimento da região e enfrentam resistência dos povos indígenas, em movimento semelhante ao que acontece na região Norte do Brasil. 

Sobre o histórico de ocupação do território amazônico, Edna lembra a colonização europeia, principalmente portuguesa e espanhola, e os ciclos de desenvolvimento que aconteceram na região, como o ciclo da borracha. Para a pesquisadora, esses momentos foram importantes para a fixação da população na Amazônia, que hoje conta com cidades bem estruturadas. O problema é que essa ocupação de forma intensiva, demográfica e economicamente, também interfere na preservação da biodiversidade e na relação que as comunidades tradicionais têm com a natureza.

 

Ao lidar com a biodiversidade, a socióloga esclarece a diferença entre o pensamento ocidental e o conhecimento das comunidades tradicionais. “Essa, que é uma velha questão, do meu ponto de vista, é uma questão central nesse debate. A sociedade ocidental ainda entende desenvolvimento como crescimento econômico, e essa não é a concepção das comunidades tradicionais e indígenas, que não separam o homem da natureza”, explica. 

Edna destaca a importância dessas comunidades tradicionais participarem da conferência Rio+20, trazendo seus conhecimentos e mostrando outras maneiras de pensar e entender o que é desenvolvimento. O debate é importante para refletir sobre a concepção de diferentes pontos de vista sobre a natureza e sua relação com o homem.

 

“Por que a região tem que ser igual às outras? Por que ela não pode ser ela mesma? O desenvolvimento não pode conservar as diversas línguas, conhecimentos e culturas existentes na região? Isso também é riqueza”, declarou. Edna explica que a Amazônia, além da riqueza natural tão aclamada, também é rica em cultura e saberes. Para ela, o maior desafio é justamente discutir desenvolvimento econômico, preservando a biodiversidade e o multiculturalismo, “como transformar essa tensão em uma relação de respeito?”, questiona. 

Belo Monte – A socióloga dedicou boa parte de sua apresentação aos chamados ‘Grandes Projetos’ por eles serem dinamizadores de outras atividades. Como exemplo, Edna abordou projetos de hidrelétricas, que “sempre são grandes projetos quando se trata de Amazônia”. Especialmente sobre a construção da usina de Belo Monte, Edna critica o discurso desenvolvimentista e afirma que existem muitos estudos que demonstram a insustentabilidade ambiental do projeto.

 

“Além disso, é possível observar também a desrregularização de dispositivos legais existentes que não foram cumpridos com o projeto. Existem pelo menos 12 ações do Ministério Público em tramitação sobre a Belo Monte e que podem parar a construção devido à ilegalidade e ao desrespeito a dispositivos legais, que mostram um processo de modernização autoritário e com violação de direitos humanos”, critica. 

A pesquisadora lembra da mobilização contra a construção da usina que está acontecendo na região de Altamira intitulada ‘Xingu+23’, em paralelo à Rio+20. Centenas de pessoas denunciam crimes socioambientais que estariam sendo cometidos com a construção de grandes projetos hidrelétricos na Amazônia. Belo Monte é a primeira de várias barragens que o governo brasileiro pretende construir na região.

 

Edna destaca que mesmo as comunidades indígenas que não serão atingidas diretamente pela construção em seus territórios, serão afetadas por mudanças que acontecerão nos ecossistemas de toda a região. A socióloga relembra outras mobilizações de comunidades peruanas sobre as hidrelétricas que estão sendo construídas na bacia do rio Madeira. 

A pesquisadora se diz pessimista em relação ao futuro da região “porque quem faz pesquisa lá sente o peso das ações governamentais”, lamenta.

 

FONTE : Jornal da Ciência