Embora a totalidade das metas estabelecidas na Eco92 – ciclo de conferências relacionadas sustentabilidade do planeta realizado em 1992 no Rio de Janeiro – não tenha sido cumprida, a secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Samyra Crespo, considera positivo o fato de a conferência ter colocado em pauta nacional as discussões sobre a conservação e uso sustentável da biodiversidade e as mudanças climáticas nos últimos anos. Ela lembra que antes de 1992 nem ONGs e nem cidadãos comuns davam opinião sobre políticas públicas voltadas para o meio ambiente.
“Tudo o que existe hoje em termos de governança global de meio ambiente, como as Convenções do Clima e a da Biodiversidade, é fruto da Eco92”, disse ela, em entrevista ao Jornal da Ciência. Samyra acrescenta: “Além do mais, a ideia de que a comunidade e os stakeholders [atores relevantes] devem participar dos processos de pactuação em torno das soluções dos problemas ambientais trouxe inovações que seguem avançando”, defende.
Agenda 21 – Samyra destaca que a Agenda 21 é o principal documento aprovado na Eco92, por 175 países. Tal documento considera as especificidades e as características particulares de cada localidade, de cada cidade, para planejar o que deve ser desenvolvimento sustentável em cada uma delas.
No caso do Brasil, segundo disse, a Agenda 21 forneceu um roteiro para os programas nacionais e locais de desenvolvimento sustentável; e insumos para as novas legislações. Como exemplo, ela cita as normas de crimes ambientais e a de proteção a recursos hídricos.
Samyra destaca que o governo tem cumprido, em grande parte, as ações da Agenda 21 que internamente foram subdivididas em Agenda Verde, que trata da conservação das florestas; Agenda Marrom, relativa à poluição urbana; e Agenda Azul, relacionada a mares e oceanos. Ela observa que as agendas Verde e Marrom foram as que mais avançaram. Já o avanço da Azul ela considerou pífio.
No caso das agendas Verde e Marrom, Samyra salienta que houve “notáveis” avanços no Brasil, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que regulamenta e dá as diretrizes para a criação e gestão das unidades de conservação no País; e o Estatuto da Cidade, que combate os assentamentos informais e o desmatamento nas cidades. “Temos hoje uma legislação avançada de proteção aos recursos hídricos”, disse ela para emendar: “Talvez a agenda que menos avançou tenha sido a dos oceanos”.
Samyra admite que o Brasil precisa avançar no conhecimento sobre a biodiversidade dos oceanos, sobre o manejo das atividades pesqueiras e na sua proteção, e criar mais unidades de conservação marinhas.
A secretária do MMA lamenta, porém, o fato de o Brasil não ter conseguido submeter os compromissos da Agenda 21 a um plano de ação, o que ela chamou de “concatenado”, com indicadores confiáveis para serem monitorados e avaliados com facilidade. Pelo que se observa, apenas a Costa Rica criou indicadores eficientes para mensurar suas metas. “Mas ninguém no mundo o fez. Então, a dificuldade não é só do Brasil. E não me venham falar da Costa Rica. Se o Brasil fosse do tamanho da Costa Rica todos os nossos problemas estavam resolvidos”, contesta Samyra.
Sustentabilidade no PPA – Para a secretária do MMA, o Plano Plurianual (PPA) poderia ser um bom indicador para acompanhar as estratégias de desenvolvimento sustentável estabelecidas internamente. “Mas infelizmente não é. A maioria das ações, dessa linha, não é verificável no PPA. A não ser o PPA que irá valer entre 2012 e 2016”, complementa Samyra, ao destacar que o novo PPA já expressa a “intersetorialidade e a transversalidade” das ações ambientais e de desenvolvimento sustentável.
É consenso de especialistas em meio ambiente de que a Eco92 introduziu o tema biodiversidade nas agendas dos países e dos diversos setores da economia. A ambientalista Nurit Bensusan acrescenta que a Eco92 ampliou as formas aceitas de conservação da biodiversidade, reconhecendo o uso sustentável da diversidade biológica como uma estratégia de proteção.
Segundo ela, a criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a discussão sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, estabelecido em 2000, estão relacionados com a Eco92 e seus desdobramentos.
Medidas insustentáveis – Mesmo representando um avanço, as unidades de conservação são insuficientes para assegurar a conservação e uso sustentável da biodiversidade brasileira. Elas são necessárias, mas quando se trata de conservar a integridades dos processos ecológicos e evolutivos que geram e mantêm a biodiversidade, as unidades de conservação não são suficientes. Outras estratégias de conservação deveriam ser adotadas no restante do território. O ideal, defende Nurit, seria pensar todo o território nacional de forma integrada, assim seria possível planejar estratégias e políticas eficientes para a conservação das espécies e dos processos ecológicos.
O geógrafo Aziz Ab´Saber, que faleceu no dia 16 de março de 2012, aos 88 anos, é uma das referências da comunidade científica na defesa de um Código Florestal amplo e capaz de proteger todos os biomas brasileiros.
Outro aspecto, mencionado por Nurit, é o acesso aos recursos genéticos e a repartição de benefícios derivada do uso desses recursos. “Essa é uma ideia que vem da Convenção sobre Diversidade Biológica, mas que tem encontrado dificuldades para ser implementada”, disse. No Brasil, a Medida Provisória (MP) Nº 2.186- 16/2001, que regula o tema, ainda não avançou.
Nurit também critica o desmonte da política ambiental brasileira e cita como exemplo o refluxo no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, regulamentada pelo Decreto 99.274/90. “Nos últimos dez anos o poder normativo e regulador do Conama está sendo colocado em xeque. Há um desmatamento da política ambiental brasileira, a exemplo do Código Florestal”.
Avaliação mundial – Ainda que reconheça avanços na governança ambiental nos últimos 20 anos, Achim Steiner, economista alemão nascido no Brasil e diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), disse que a escala e a velocidade da degradação ambiental superam as respostas dadas desde 1992.
Embasando sua opinião, ele demonstra preocupação com dados do relatório que o Pnuma publicou em novembro do ano passado, intitulado “De olho no meio ambiente em mutação: do Rio à Rio+20”, uma coleção de dados sobre a evolução dos indicadores ambientais e econômicos nas duas últimas décadas. Segundo o documento, desde o início da década de 1990, as emissões de carbono aumentaram 36%, o número de espécies declinou 30% nos trópicos, as florestas nativas perderam cerca de 300 milhões de hectares, a quantidade de megacidades (aglomerações urbanas com mais de 10 milhões de habitantes) subiu 110% e o uso de fertilizantes na agricultura cresceu 35%, dentre outros tantos indicadores desanimadores.
“Seria falso dizer que o mundo fracassou nestes últimos 20 anos. Mas seria fantasia afirmar que estamos implementando o desenvolvimento sustentável nos países e na economia”, admite o diretor do Pnuma, em entrevista à revista Planeta da edição de março. Ao mesmo tempo em que mostra os problemas ambientais mundiais, o relatório traça um panorama positivo na governança ambiental global de 1992 a 2009. Por exemplo, revela que, nesse período, as empresas eliminaram a geração de 93% dos gases poluidores responsáveis pelo buraco na camada de ozônio, cumprindo com as obrigações do Protocolo de Montreal. Hoje, o problema do buraco de ozônio está praticamente resolvido.
O relatório revela também que houve progresso na disseminação das energias renováveis, ainda que elas representem apenas 16% da matriz energética mundial. O consumo de energia eólica saltou 6.000%, a fonte solar cresceu 30.000%, o uso de biocombustíveis aumentou 3.500% e o de biodiesel, 300.000%. Outros avanços destacados pelo estudo: a área da agricultura orgânica cresce 13% ao ano e o público do ecoturismo aumenta a uma taxa de três vezes superior à do turismo de massa.
(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)
Nota do Jornal da Ciência – O que existe hoje em termos de governança global de meio ambiente é fruto da Eco92. Confira o conjunto de matérias publicado na última edição do Jornal da Ciência, disponível em PDF no nosso site. Saiba mais no Jornal da Ciência em PDF, no link: http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC715.pdf
Deixe um comentário