No ano em que se discute a Rio+20 e a alteração do Código Florestal, a operação batizada de Salmo 96:12, deflagrada ontem em Roraima, é um forte golpe no discurso “verde” de preservação ambiental.  Segundo apontam as investigações, esse foi o maior esquema de fraude na emissão de licença para transporte de madeira nativa já descoberto na Amazônia Legal. O dano ao meio ambiente está avaliado em R$ 400 milhões. Isso sem levar em consideração os valores necessários para recomposição da área devastada.Foram expedidos 44 mandados de prisão temporária e efetuadas até a tarde de ontem 35 prisões envolvendo madeireiros e funcionários públicos de órgãos de regularização fundiária e ambiental, suspeitos de comandar uma quadrilha especializada em grilagem de terras, emissão de documento falso e desmatamento ilegal. A operação foi comandada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF).

Os governos federal e estadual prometem apertar o cerco, intensificar a fiscalização e punir servidores públicos envolvidos no caso. São investigados o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a Fundação Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Femarh) e o Instituto de Terras de Roraima (Iteraima). Servidores das quatro autarquias foram presos. Ainda foram apreendidos documentos públicos e computadores.

O Governo do Estado disse ter determinado ao Iteraima e a Femarh que disponibilizem todos os documentos requeridos pelas autoridades. Também que seja instaurado processo administrativo disciplinar para apurar a conduta dos funcionários públicos, envolvidos no caso. Ainda chamou a eventual participação de servidores nos crimes de “fatos isolados”, que não correspondem às diretrizes dos órgãos estaduais.

O diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Ramiro Martins Costa, negou que o órgão esteja sob intervenção. Segundo ele, haverá reforço da fiscalização com atuação de profissionais de outros estados, em razão do aumento do desmatamento. Também destacou a necessidade de aumento de servidores, por meio de concurso público.

“O comando [do Ibama] continua local. Os servidores que foram presos vão responder administrativamente e imediatamente serão retirados da portaria de fiscalização. Mesmo que a Justiça determine a volta deles ao órgão, do ponto de vista da fiscalização, [a atividade] está comprometida, eles não vão mais atuar”.

INVESTIGAÇÃO – De acordo com o superintendente da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, as investigações iniciaram após ser detectado aumento de 363% no desmatamento em Roraima. Em 2008, o município de Mucajaí entrou na lista negra do Ministério do Meio Ambiente como um dos maiores desmatadores da Amazônia.

A suposta quadrilha agia há pelo menos dois anos e seria responsável pela extração de 1,4 milhões de metros cúbicos de madeira, equivalentes ao carregamento de 56 caminhões. A área grilada corresponde a 146 mil campos de futebol e a área autorizada para o desmatamento equivale a 21 mil campos de futebol.

As irregularidades contemplavam toda a “cadeia de produção da madeira”, segundo explicou o procurador da República Rodrigo Timóteo da Costa e Silva. Começavam na regularização fundiária, passavam pela emissão do licenciamento ambiental e seguiam até a emissão do Documento de Origem Florestal, que autorizava o transporte da madeira. A fiscalização também era alvo de corrupção. As áreas griladas são chamadas de florestas públicas, situadas em glebas que ainda não foram transferidas da União para o Estado.

O procurador informou ainda que após a análise documental, serão adotadas medidas para que órgãos ambientais se adequem à legislação pertinente. As investigações vão continuar e novas pessoas podem ser presas.

Regozijem-se os campos e tudo o que neles há! Cantem de alegria todas as árvores da floresta”. Com essa frase bíblica, referente ao Salmo 96:12, a Polícia Federal desencadeou uma mega operação visando coibir o desmatamento em Roraima e prendeu 37 pessoas, acabando com o que foi chamado de “máfia ambiental”. Foram mais de 250 policiais federais dos estados do Acre, Rondônia, Brasília, Pará e Roraima envolvidos na operação.

Segundo a polícia, foi chamado atenção para o problema quando a Agência Brasil de Comunicação noticiou que o desmatamento aumentou 363% no Estado de Roraima, entre 2011 e 2012. “A partir daí começamos a investigar as causas, resultando na identificação de uma rede de fraudes e corrupção que tenta dar aparência de legalidade ao desmatamento. Havia uma quadrilha que se apoderou dos órgãos ambientais em Roraima para fazer grilagem de terra e nós unimos forças para preservar a floresta amazônica”, disse o superintendente da Polícia Federal em Roraima Alexandre Silva Saraiva.

“Só em madeira, o Brasil perde mais de R$ 400 milhões. Esse número não contém o valor das terras griladas nem os custos indiretos como, por exemplo, a destruição de espécies animais e vegetais inteiras, até mesmo ainda não descobertas. O prejuízo total é incalculável”, disse.

Conforme o procurador da república Rodrigo Timóteo da Costa, o rombo chega a R$ 200 milhões em extração de madeira, sem contabilizar o crime de grilagem da terra. “Provamos que o combate pode ser feito. Não é dado o devido respeito para a Amazônia e sabemos que tem carência de investimentos, o que aumenta a possibilidade de corrupção entre os servidores, mas não podemos aceitar que isso continue. Vamos oferecer denúncia contra os presos e mais de 150 novos indiciamentos”, frisou.

Saiba como funcionava o esquema de extração ilegal, conforme a PF

Durante a coletiva da Polícia Federal, foi explicado para a imprensa como funcionava a suposta rede de fraudes e corrupção que tentava dar aparência de legalidade ao desmatamento. O quadro a seguir mostra como funciona:

Segundo a investigação, as equipes de fiscalização e/ou policiais saíam a campo à procura de desmatamentos e transporte de madeira não autorizados.

A polícia verificou ao longo do ano de 2010 aumento na quantidade de DOFs (Documentos de Origem Florestal) em circulação. Esses documentos eram emitidos pelos próprios interessados, a partir de um sistema disponibilizado pelo Ibama (Sisdof) e obrigatoriamente devem acompanhar a extração e o transporte de madeira, sob pena de incidência na prática de crime.

O DOF funciona como um crédito numa conta corrente (Sisdof). Essa conta recebe créditos novos quando um Processo de Licenciamento Ambiental resulta numa Autorização de Desmatamento. Essa conta é debitada quando o interessado vende/transporta madeira. Desta forma, a grande quantidade de DOFs em circulação indicava grande quantidade de Autorizações de Desmatamento sendo expedidas, a partir de quantidade igualmente elevada de Processos de Licenciamento Ambiental.

Conforme a PF, o levantamento realizado em mais de 100 Processos de Licenciamento Ambiental mostrou dados alarmantes: os responsáveis por sua tramitação não observam as exigências legais, gerando enormes quantidades de Autorizações de Desmatamento absolutamente ilegais.

Dentre os ilícitos comprovados, destacam-se a falta de documentos exigidos pela legislação; apresentação de documentos divergentes entre si; simulação de vistorias; trâmite excepcionalmente rápido; falta de documentos exigidos pela legislação; falta de requisitos exigidos pela legislação; e violação da legislação vigente.

Segundo a polícia, a maioria dos imóveis que tiveram processos analisados está localizada no sul do Estado, no Município de Rorainópolis, em gleba que pertence à União. “Isso explica a movimentação incomum de DOFs com o nefasto efeito que, uma vez que a madeira tenha sido extraída e esteja em trânsito, estará acobertada por DOFs pretensamente legítimos, esvaziando qualquer iniciativa de fiscalização. É o que se costuma chamar de “esquentamento de madeira”, explicou o superintendente da PF, Alexandre Silva Saraiva.

Polícia aponta uma rede de corrupção dentro do Ibama

A Polícia Federal informou ainda que, em meio às investigações, foi possível comprovar a existência de uma rede de corrupção dentro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) que inviabiliza qualquer das já ineficientes iniciativas de fiscalização. Tudo foi devidamente registrado nas interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça Federal, bem como em diligências de campo que gravaram vídeos dos atos de corrupção.

“Quando os fiscais multavam ou embargavam uma destas áreas, a autoridade julgadora anulava o auto”, explicou o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Ramiro Martins-Costa, que acompanhou a operação em Roraima, da qual participaram 20 agentes federais do Ibama.

FONTE: Folha de Boa Vista