Ontem, desintrusados das reservas Raposa Serra do Sol e Anaro estiveram reunidos com parlamentares para pedir o mínimo de infraestrutura nos reassentamentos e pagamento das indenizações pelas benfeitorias de boa-fé. Ao que tudo indica, o imbróglio que envolve o processo demarcatório dos territórios indígenas em Roraima está longe de acabar.

O grupo foi recebido pelo Deputado Estadual Brito Bezerra (PP) e pelo Deputado Federal Paulo César Quartiero (DEM), na Assembleia Legislativa. O superintendente regional do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Titonho Beserra, também participou da reunião.

Os desintrusados reiteraram pedidos para abertura e melhorias de estradas, energia elétrica, saneamento básico, assistência técnica e escolas públicas para as crianças. Afirmam que estão há anos aguardando os investimentos do poder público acordados por ocasião de suas saídas dos territórios indígenas.

Eles foram assentados pelo Incra no Projeto de Assentamento Nova Amazônia, na zona rural de Boa Vista. “O que posso fazer é intermediar a conversa entre os desintrusados e os representantes dos órgãos fundiários. Muitos não têm a documentação de suas propriedades, nem sequer o georreferenciamento”, disse o parlamentar estadual.

Ailton de Melo Cabral deixou a propriedade onde vivia na Raposa Serra do Sol há três anos, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) validou o processo demarcatório, em área única. Na reserva, ele ocupava 3 mil hectares, onde desenvolvia a atividade pecuária.

Dos 1.500 hectares firmados no acordo judicial junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para sua saída, recebeu apenas 497 hectares, onde mantém 600 animais entre bois, carneiros e cavalos.

“Estamos sem nenhuma infraestrutura. Moro em um barraco e meus animais ficam soltos porque ainda não tive condições de fazer um curral. Até pedi ao deputado Quartiero a doação de um toldo, porque à noite e com as chuvas, a situação fica ainda mais difícil”, disse o pecuarista.

Cabral cobra na justiça o pagamento da indenização de boa-fé referente à propriedade que mantinha na reserva. Ele ganhou a ação em primeira instância, mas a União recorreu da sentença.

“O direito a indenização é constitucional. Se eu já tivesse recebido, não estaria correndo atrás do Incra, já teria comprado minha terra”, disse.   

Para o deputado Paulo César Quartiero, a lentidão da Justiça e “o jogo de empurra” entre os órgãos fundiários contribuem para a injustiça que atinge mais de 300 famílias de produtores rurais.

“A decisão do Supremo Tribunal Federal [que validou o processo demarcatório da Raposa Serra do Sol, em área única] foi um erro. E demonstramos isso nos embargos. O STF passou por cima de uma decisão do governo federal, de que as pessoas só deveriam ser retiradas após pagamento de indenização justa e reassentamento”, explicou.

Quartiero acusa o ministro Ayres Britto, relator do processo, de “ter sentado nos embargos”, que há três anos não são julgados. “Temos a esperança de que com a aposentadoria do ministro, que ocorrerá nos próximos meses, entrará outro relator, que deve colocar os embargos em julgamento e reparar essa injustiça”, ponderou ele.

O parlamentar disse ainda que o Iteraima, que assumiu parte dos reassentamentos, também não tem recursos financeiros para fazê-lo. “O Incra joga a responsabilidade para o Iteraima e vice-versa. Tem gente vindo de fora plantar aqui e o governo arruma terras. Já os excluídos das reservas, que são pessoas que contribuíram muito com Roraima, estão tendo seus direitos negados”, criticou o parlamentar federal.  

Incra diz que pretende investir R$ 7,5 milhões em assentamentos

O superintendente regional do Incra, Titonho Beserra, disse à reportagem que o órgão já reassentou em seus projetos mais de 300 famílias retiradas dos territórios indígenas e que tem buscado recursos para investir em infraestrutura. Segundo ele, são necessários pelo menos R$ 7,5 milhões para melhorias das estradas e pontes.

“Nossos engenheiros estão trabalhando nos projetos básicos para reivindicar os recursos. Quanto à falta de energia elétrica, sugeri aos assentados que procurem os representantes do Programa Luz para Todos, por meio da Eletrobras”, disse Beserra.

Ainda conforme ele, apenas parte do Projeto de Assentamento Nova Amazônia, onde estão algumas famílias que saíram da Raposa Serra do Sol, não pode receber investimentos, em razão de um imbróglio judicial. “Enquanto não for julgado o mérito, estamos impedidos de fazer qualquer regularização nessa área, que tem 3.200 hectares”, disse o superintendente do Incra. 

FONTE : Folha de Boa Vista