O Brasil ganhou ontem seu novo Código Florestal, após três anos de discussões no Congresso. A lei foi promulgada pela presidente Dilma Rousseff, com uma medida provisória anexa que preenche as lacunas deixadas por 12 vetos. E já com promessa de novas alterações.

A primeira delas já foi feita no Diário Oficial da União de hoje (29) para corrigir um erro que incendiou os ambientalistas. No texto da MP publicado ontem, que restaura a essência do código aprovado pelo Senado e posteriormente alterado pela Câmara, há um parágrafo que prevê que áreas de preservação permanente (APPs) em margem de rio possam ser recuperadas com espécies exóticas.

A ideia, segundo a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, era limitar o dispositivo a pequenas propriedades e sempre em combinação com espécies nativas. Mas a redação da MP sugere que o plantio indiscriminado de dendê possa ser considerado mata ciliar. “Isso representa o desvirtuamento do conceito de APP”, criticou André Lima, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

A decisão repercutiu negativamente entre ambientalistas e expôs contradição com convenção da ONU sobre biodiversidade, da qual o Brasil é signatário. Diante da polêmica, o governo decidiu restringir a recomposição apenas a árvores frutíferas e exclusivamente em pequenas propriedades. A retificação publicada hoje pode ser vista no link do Diário Oficial.

A possibilidade de plantar árvores exóticas na recuperação de margens de rios, um dos pontos polêmicos no debate anterior ao veto, não constava no texto aprovado pelo Congresso, que falava apenas em mata nativa.

O consultor legislativo da Câmara Rodrigo Dolabella, que acompanhou a votação da proposta final pelos deputados, foi um dos primeiros a se manifestar e disse que a recuperação de margens de rios com árvores exóticas não garante a manutenção da biodiversidade.

A introdução dessas espécies é condenada pela Convenção sobre Diversidade Biológica, da Organização das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário. “Uma das funções das APPs é a preservação da biodiversidade. De maneira geral, o uso de espécies exóticas pode trazer uma série de impactos e vai de encontro ao objetivo do que é uma APP. Tenta-se preservar plantando algo que impede a conservação”, diz Michele Dechoum, bióloga do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.

Além da convenção da ONU, a Comissão Nacional de Biodiversidade, criada entre outras coisas para implementar os compromissos assumidos pelo Brasil junto à ONU, reforça o compromisso de prevenir e erradicar as espécies exóticas invasoras. No entanto, não há penalidades previstas para quem desrespeitar o que foi assumido. Plantar qualquer tipo de espécie numa área desmatada pode gerar escassez de água, quebra de interação entre espécies, mudança de estrutura e alterações físicas e químicas do ecossistema.

Após a repercussão negativa, o governo restringiu essa possibilidade às frutíferas e às propriedades de até quatro módulos – um módulo varia de 5 a 110 hectares, de acordo com a região. A retificação foi acertada em reunião de Dilma com a ministra Izabella Teixeira. Segundo Izabella, a recomposição com frutíferas foi sugerida pela Embrapa, por permitir recuperação mais rápida da área desmatada e garantir renda para o pequeno produtor.

Visão da ciência – Para cientistas que engrossaram as críticas às mudanças do Congresso e colaboraram com pesquisas para mostrar a importância da manutenção da vegetação, a proposta de Dilma, apesar de ficar aquém do defendido, traz avanços. “Ao menos se conseguir implementar, já será um grande ganho”, diz Ricardo Rodrigues, da Esalq-USP, em menção ao fato de que o Código antigo, apesar de proteger mais o ambiente, não era seguido.

Para Gerd Sparovek, também da Esalq-USP, houve progressos no aumento da área de APPs ripárias que deve ser recuperada nas propriedades maiores, representantes de 76% da área agrícola. “Mas algumas faixas de restauração ficaram muito pequenas [5m e 8m], o que torna questionável sua relevância ecológica. E ainda fica o custo, pelo menos parcial. Os topos de morro ficaram fora de critérios objetivos de necessidade de restauração, sendo possível a consolidação dos usos agrícolas existentes.”

Medida Provisória – Depois de vetar 12 pontos do Código Florestal (Lei 12.651/12), a presidente Dilma Rousseff encaminhou nesta segunda-feira (28) ao Congresso Nacional a Medida Provisória 571/12, que complementa o texto da nova lei. Para o presidente da Câmara, o deputado Marco Maia (PT-RS), os vetos da presidente eram esperados por todos, uma vez que o Parlamento não conseguiu construir um acordo para a votação do código. “Os vetos se deram em função da nossa incapacidade de construir um acordo. A decisão da presidente Dilma Rousseff já era esperada”, declarou.

Na opinião de Marco Maia, a medida provisória (MP) editada pelo governo sobre mudanças no Código Florestal visa a recompor o “sentimento médio da Câmara e do Senado”. Ele admitiu novas polêmicas nas discussões e votação da MP uma vez que há setores contrários ao texto da matéria, tanto do lado dos ambientalistas como dos produtores rurais. “Ela [a MP] vai polemizar de novo. Vai suscitar novos debates”.

Uma das partes mais polêmicas da MP diz respeito às terras consolidadas em áreas de preservação permanente (APPs). O texto estabelece que, para os imóveis rurais com até 1 módulo fiscal ao longo de cursos d’água naturais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 5 metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d’água.

Já o texto vetado dizia que era obrigatória a recomposição das faixas marginais em 15 metros, mas só no caso de imóveis ao longo de curso d’água com até 10 metros de largura.

Segundo a MP, para os imóveis rurais superiores a 1 e de até 2 módulos fiscais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais em 8 metros, contados da borda da calha do leito regular, independentemente da largura do curso d’água. Para os imóveis rurais com área superior a 2 e de até 4 módulos fiscais, será obrigatória a recomposição em 15 metros.

No caso dos imóveis rurais com área superior a 4 módulos fiscais, será obrigatória a recomposição das respectivas faixas marginais da seguinte forma:

– em 20 metros, para imóveis com área superior a 4 e de até 10 módulos fiscais, nos cursos d’agua com até 10 metros de largura;

– nos demais casos, em extensão correspondente à metade da largura do curso d’água, observado o mínimo de 30 e o máximo de 100 metros, contados da borda da calha do leito regular.

Nascentes – Nas áreas rurais consolidadas em APPs no entorno de nascentes e olhos d’água perenes, será admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de:

– 5 metros, para imóveis rurais com área de até 1 módulo fiscal;

– 8 metros, para aqueles com área superior a 1 módulo fiscal e de até 2 módulos fiscais;

– 15 metros, para aqueles com área superior a 2 módulos fiscais.

No caso de imóveis rurais, será obrigatória a recomposição de faixa marginal com largura mínima de:

– 5 metros, para imóveis rurais de até 1 módulo fiscal;

– 8 metros, para aqueles superiores a 1 e de até 2 dois módulos fiscais;

– 15 metros, para os superiores a 2 e de até 4 módulos fiscais;

– 30 metros, para os imóveis rurais com área superior a 4 módulos fiscais.

A MP também define a área que deve ser recuperada em veredas. Segundo o texto, será obrigatória a recomposição das faixas marginais, em projeção horizontal, delimitadas a partir do espaço brejoso e encharcado, de largura mínima de 30 metros, para imóveis rurais com até 4 módulos fiscais; e 50 metros, para aqueles superiores a 4 módulos fiscais. O texto do Código Florestal aprovado no Congresso não previa essas possibilidades de recuperação.

Vetos – Um dos dispositivos vetados se refere à recomposição das faixas marginais para os proprietários e possuidores de imóveis rurais da agricultura familiar e dos que, em 22 de julho de 2008, detinham até 4 módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris em APPs. Nesses casos, o texto aprovado no Congresso definia que a recomposição, somadas as demais APPs do imóvel, não ultrapassaria o limite da reserva legal do respectivo imóvel.

Já nas áreas rurais no entorno de nascentes, seria admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 30 metros.

Outro dispositivo vetado admitia a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, desde que não estivessem em área de risco de agravamento de processos erosivos e de inundações e fossem observados critérios técnicos de conservação do solo e da água.

Insegurança jurídica – Para justificar o veto, a presidente argumentou que, ao tratar da recomposição de APPs em áreas rurais consolidadas, a redação aprovada no Congresso é imprecisa e vaga, o que causaria insegurança jurídica: “O dispositivo parece conceder uma ampla anistia aos que descumpriram a legislação que regula as áreas de preservação permanente até 22 de julho de 2008, de forma desproporcional e inadequada. Com isso, elimina a possibilidade de recomposição de uma porção relevante da vegetação do País.”

A presidente destacou que, ao incluir apenas regras para recomposição de cobertura vegetal ao largo de cursos d’água de até 10 metros de largura, silenciando sobre os rios de outras dimensões e outras áreas de preservação permanente, o texto do Congresso gerava incerteza quanto ao que poderia ser exigido dos agricultores no futuro, em termos de recomposição.

“A proposta [do Congresso] não articula parâmetros ambientais com critérios sociais e produtivos, exigindo que os níveis de recomposição para todos os imóveis rurais, independentemente de suas dimensões, sejam praticamente idênticos. Tal perspectiva ignora a desigual realidade fundiária brasileira”, afirmou Dilma.

Na medida provisória, o governo resgatou pontos do Código Florestal aprovados no Senado e que haviam sido derrubados pela Câmara. Um deles é a exigência de inscrição dos agricultores no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para que tenham acesso ao crédito agrícola. Os agricultores terão prazo de cinco anos para se inscrever no cadastro.

Pousio – A MP também define que o pousio – prática de interrupção de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais – deve ser feito por no máximo cinco anos, em até 25% da área produtiva da propriedade ou posse, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo. O texto vetado não definia os limites temporais ou territoriais para o pousio.

Apicuns e salgados – A medida provisória permite que apicuns e salgados (áreas próximas aos mangues) sejam utilizados em atividades de carcinicultura e salinas, desde que observados diversos requisitos. Entre eles, o de que a área ocupada em cada estado não seja superior a 10% de apicuns e salgados no bioma amazônico e a 35% no restante do País, excluídas algumas ocupações consolidadas.

Tramitação – A MP vai ser analisada inicialmente por uma comissão mista de deputados e senadores. O governo atua para que o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), que relatou a lei no Senado, seja o relator da comissão.

Depois de analisada pela comissão mista, a proposta será votada no Plenário da Câmara. O texto passará a trancar a pauta do Plenário da Casa onde estiver (Câmara ou Senado) em 12 de julho.

FONTE : Jornal da Ciência com agências de notícias