Uma tribo amazônica que até a década passada entregava suas terras à exploração ilegal de madeira será a primeira nação indígena do mundo a faturar com uma nova commodity: o carbono da floresta mantida em pé.
Os paiter-suruís, de Rondônia, receberam na semana passada duas certificações internacionais que lhes permitirão fechar contratos para gerar créditos de carbono pelo desmatamento que evitarem em seu território.
O projeto explora o chamado Redd (Redução de Emissões por Desmatamento), mecanismo que visa compensar financeiramente a manutenção de florestas tropicais, mitigando o gás carbônico que causa o aquecimento global.
O líder da tribo, Almir Narayamoga Suruí, estima que o negócio possa gerar de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões por ano até 2038. O dinheiro será aplicado em uma espécie de “fundo soberano” para alavancar atividades econômicas sustentáveis, como o turismo e a produção agrícola nas terras já desmatadas.
O Projeto de Carbono Florestal Suruí, fruto de quatro anos de negociação, é o primeiro esquema indígena de Redd a receber os selos VCS (Verified Carbon Standard) e CCB (Climate, Community and Biodiversity).
Segundo Mariano Cenamo, do Idesan, ONG de Manaus que elaborou o projeto, o VCS dá a garantia aos investidores de que a tribo segue uma metodologia criteriosa para avaliar a redução das emissões. O CCB atesta que o projeto não afeta a biodiversidade ou os direitos dos índios.
O mercado mundial de Redd ainda é voluntário; sua regulamentação deve ocorrer em 2020. Apesar disso, só em 2010, ele cresceu 35% e hoje é estimado em US$ 250 milhões por ano no mundo.
Segundo Michael Jenkins, diretor da ONG americana Forest Trends, os potenciais clientes dos suruís incluem empresas em busca de “créditos carismáticos” para neutralizar emissões de seu processo produtivo. Quinze países estão regulamentando mercados de carbono, e o Redd deve fazer parte deles.
A validação do projeto ocorre no momento em que o Redd em terras indígenas anda na berlinda no país.
A Funai (Fundação Nacional do Índio) e a Advocacia-Geral da União investigam 30 contratos de compra de créditos de carbono fechados por aventureiros com índios Amazônia afora. Um deles, entre a empresa irlandesa Celestial Green e os líderes mundurucus, do Pará, proíbe a tribo de usar a própria terra.
O único projeto apoiado pelo órgão federal é o dos suruís -porque a etnia resolveu esperar a validação antes de assinar contratos.
“Não faltou gente interessada”, diz Almir Suruí. “Mas nunca recebemos um centavo. O projeto foi todo bancado com dinheiro de doação.”
O responsável por levantar a verba foi Jenkins. Ele estima em US$ 1 milhão o custo da montagem do projeto. O dinheiro foi usado em parte para contratar o Idesam, que inventariou o carbono estocado nas florestas da terra suruí e criou um modelo computacional para simular o desmatamento que ocorreria até 2038 sem o Redd.
Outra parte bancou um escritório de advocacia para determinar se os índios tinham direito ao carbono de suas terras – têm. “Saiu caro, mas agora temos uma análise jurídica para 15% do território brasileiro”, diz Jenkins, em alusão à área total das terras indígenas no país.
Negociação para implantar modelo foi longa
A decisão dos suruís de lançar créditos de carbono no mercado foi fruto de longas negociações, que envolveram o consentimento de líderes de 25 aldeias e a expulsão de uma centena de madeireiras.
A costura foi feita pelo chefe Almir Suruí, 37, que ganhou fama em 2008 ao fechar um acordo com o Google para monitorar o desmate na terra indígena.
Contatados em 1969, os paiter (como os suruís se intitulam) eram conhecidos até o fim dos anos 1990 por venderem madeira a extratores ilegais de Rondônia. Quase toda a terra do grupo foi explorada.
O esquema gerou desagregação social e desigualdades de renda que fizeram lideranças jovens investirem contra ele a partir da última década.
Em 2007, começou a discussão sobre o Redd, no âmbito de um planejamento do uso do território suruí para os 50 anos seguintes. Em 2009, Almir fechou um acordo entre os clãs para parem de vender madeira e de arrendar terra a agricultores vizinhos.
“A economia declinou. Eles não viveram, sobreviveram”, conta Mariano Cenamo, do Idesam.
Ivaneide Bandeira, da Associação Etnoambiental Kanindé, ajudou os paiter nos debates. “A parte mais difícil foi convencer os indígenas envolvidos no roubo de madeira de que manter a floresta em pé podia ser um bom negócio.”
Explicar créditos de carbono a gente que nem português fala direito (as reuniões eram traduzidas para o tupi-mondé) também não foi simples. “Tinha um idoso que dizia que os brancos eram estranhos, pois vendiam algo que não se pode tocar”, afirma a ambientalista.
Já a mudança climática foi fácil de entender. “A gente convive com ela no território”, diz Almir.
Ver mais em: http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/1073331-indios-suruis-venderao-carbono-com-selo-verde.shtml – http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/1073332-negociacao-para-implantar-modelo-foi-longa.shtml
FONTE: Folha de São Paulo
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