Um “termo de compromisso” distribuído pela empresa paranaense Topogeo Engenharia que garante fazer o georreferenciamento que supostamente serviria para o monitoramento de projetos de crédito de carbono e desmatamento evitado em imóveis rurais em Roraima tem preocupado produtores locais. Eles temem que a ação engesse a atividade rural com a adesão a contratos que inviabilizem a utilização da terra. A Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) alertou que a comercialização de crédito de carbono não está regulamentada e o Incra informou que qualquer georreferenciamento só pode ser feito após prévia autorização do órgão, mesmo em áreas do Estado. No documento ao qual a Folha teve acesso, a empresa paranaense garante que o georreferenciamento também serviria para fins fundiários por meio do programa do governo federal Terra Legal e certificação por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
“Garantimos o recebimento dos projetos por nós elaborados, haja vista ser aprovado inclusive no Código Florestal Novo, prevendo receber estes créditos, faltando somente o Congresso Nacional ratificar o que foi aprovado no Senado e a presidenta Dilma sancionar sem veto” (sic), diz o documento, com a clara intenção de ludibriar quem desconhece o atual andamento da lei.
O documento foi distribuído em Rorainópolis, em uma reunião realizada no último dia 29 com produtores locais. A rizicultora Regina Barili, que recebeu uma cópia, ficou preocupada, pois o assunto vem sendo tratado na mídia nacional por envolver terras indígenas, prática considerada ilegal pela Fundação Nacional do Índio (Funai), uma vez que impede até mesmo que uma árvore seja derrubada.
“Eu fiquei apreensiva, pois a gente que está aqui desde 1986, produzindo, quer que este Estado vá para a frente e não que seja envolvido neste tipo de ação aparentemente nebulosa”, alertou.
A empresa é representada pelo engenheiro agrônomo Benedito Milleo Júnior, residente na cidade de Guaíra, no Paraná, e afirma atuar em imóveis rurais de Roraima, Pará e Amazonas, por intermédio de Valdir Wohlenberg, que mora no município de São Luiz do Anauá.
O serviço é oferecido pelo valor de R$ 15 por hectare, sendo R$ 7,5 no início dos trabalhos de campo e a outra metade no recebimento da primeira parcela do crédito de carbono. Conforme a Folha apurou, a proposta de recebimento seria para após um ano. No entanto, para o início dos trabalhos, seria necessário o depósito de R$ 20 mil na conta que seria da empresa TopoGeo Engenharia (Milleo&Cazula Ltda.).
A reportagem entrou em contato com Valdir Wohlenberg, representante da empresa no Estado. Ele informou que o projeto ainda está em fase inicial no Estado e até o momento nenhuma empresa teria fechado contrato devido às pessoas interessadas não terem documentos comprobatórios da regularidade de suas propriedades.
Ele explicou que maiores informações sobre o projeto poderiam ser obtidas junto ao representante da empresa, Benedito Milleo Junior, mas adiantou que os contratos de crédito de carbono renderiam U$ 300 em um período de um ano. Ele explicou ainda que a empresa paranaense atua como uma espécie de intermediadora. “Ela compra crédito aqui e negocia com empresas europeias”, explicou o representante, que disse ter sido convidado pela empresa para atuar na intermediação dos contratos.
A reportagem entrou em contato com o engenheiro agrônomo na sexta-feira de manhã, por e-mail, e tentou manter contato durante todo o fim de semana por telefone, mas as ligações não foram atendidas e o e-mail não foi respondido.
FEMARH – Informado sobre o serviço oferecido pela empresa, o diretor de Licenciamento e Gestão Ambiental da Fundação Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), Wagner Severo, explicou que ainda não existe uma legislação específica que regule as operações relacionadas ao crédito de carbono. “É um assunto novo e que ainda não está baseado em padrões legais”, frisou.
O diretor salientou que não há empresa credenciada junto ao Estado para realizar o georreferenciamento com fins de comércio de crédito de carbono, apenas para a titulação. “Em propriedades de até quatro módulos fiscais o governo realiza este serviço. Caso contrário o proprietário providencia o georreferenciamento e em seguida regulariza junto ao Iteraima”, disse.
INCRA – O superintendente-adjunto do Incra, Pedro Paulino, informou que o órgão não tinha conhecimento deste tipo de comércio e alertou que os proprietários não devem contratar o serviço da forma proposta no termo mencionado pela empresa, uma vez que somente a União, por meio do Incra, tem a responsabilidade para autorizar e certificar o georreferenciamento inclusive nas terras repassadas para o Estado. “Quem receber o documento deve procurar o Incra ou se informar sobre o georreferenciamento pela internet, no site www.incra.gov.br”, orientou.
IBAMA – A superintendente do Ibama, Nilva Baraúna, informou que as atribuições relacionadas ao comércio de crédito de carbono estão sob responsabilidade do Estado.
Comércio teria chegado às áreas indígenas de Roraima
O intermediário Valdir Wohlenber informou à reportagem que a empresa por ele representada teria contratos para comercialização de crédito de carbono, no valor de R$ 3 milhões, na região sul do Estado. Ele não soube precisar qual seria a comunidade indígena, mas frisou que a empresa estaria negociando contratos semelhantes com índios da comunidade Trombeta Mapuera, localizada no sul do Estado, região onde habitam os Wai-Wai, mas que, no entanto, estes já teriam firmado contrato com outra empresa que já estaria inclusive recebendo o valor referente aos créditos de carbono.
De acordo com reportagem publicada no jornal o Estado de São Paulo, o empresário responsável pela oferta do serviço no sul de Roraima, Benedito Milléo Junior, também negocia créditos de carbono de comunidades indígenas. Ele estimou em US$ 1 mil o valor do hectare contratado, com base na estimativa de 200 toneladas de CO2 estocada por hectare, segundo preço médio no mercado internacional.
Milléo diz ter negociado 5,2 milhões de hectares e que nesse total estaria contabilizado o território indígena Trombetas-Mapuera, que teria fechado contrato com a empresa C-Trade, também atuante no mercado de crédito de carbono.
Em matéria publicada na última sexta-feira, 16, na Folha, tanto a Advocacia Geral da União (AGU) quanto a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmaram não terem conhecimento acerca do envolvimento destas empresas com comunidades indígenas.
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, afirmou recentemente que os contratos assinados entre comunidades indígenas e empresas que negociam crédito de carbono são ilegais. Apesar de defender a regulamentação do mecanismo, a Funai ainda não apresentou uma proposta de marco legal à Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.
O que é o crédito de carbono?
O comércio de crédito de carbono é um sistema que funciona com a compra e venda de unidades correspondentes à redução da emissão de gases que causam o efeito estufa. Os créditos são obtidos com o corte das emissões por países ou empresas.
Na prática, países ou empresas que conseguem reduzir suas emissões abaixo das metas do Protocolo de Kioto geram créditos por essa redução excedente. Depois, eles podem vender esses créditos aos países que poluem acima de suas metas.
Quando um país ou empresa consegue reduzir sua emissão em uma tonelada de CO2, ganha um crédito. Os créditos de carbono são considerados commodities e podem ser vendidos nos mercados financeiros nacionais e internacionais.
Em tese, além dos vendedores de créditos (ou seja, aqueles que reduzem suas emissões de forma mais eficaz), todos acabam ganhando com o sistema. Quem ainda não consegue cortar suas emissões é incentivado a buscar soluções para deixar de gastar com os créditos.
FONTE: Folha de Boa Vista.
Ver mais em: http://www.folhabv.com.br/noticia.php?id=126124
Deixe um comentário