Yocie Yoneshigue Valentin lidera um instituto de pesquisas no continente. Brasil usa região para estudar impactos do aquecimento global.

O incêndio na Estação Antártica Comandante Ferraz deve atrasar em alguns anos as pesquisas brasileiras que dependem da base na Marinha na Antártida. O acidente aconteceu no último sábado (25), já no fim do verão, o que compromete o trabalho de reconstrução das instalações.

No inverno, o ambiente fica todo coberto de gelo, e a Marinha deve ter que esperar pelo próximo verão – ou seja, dezembro – para estabelecer a base com a estrutura que tinha antes. Isso depende ainda do volume de dinheiro que será investido no projeto.

Segundo o ministro da Defesa, Celso Amorim, a base deve ser reconstruída em dois anos.

“Trabalhar na Antártida não é muito fácil. O ambiente é inóspito e o financiamento, às vezes, não é contínuo”, resumiu Yocie Yoneshigue Valentin, líder do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT-APA).

Os cientistas que trabalham na Antártida precisam da estrutura da base da Marinha em seus estudos. Como eles só ficam no continente entre os meses de dezembro e março – com exceção de alguns meteorologistas, que fazem pesquisas durante o inverno –, o Brasil levará, no mínimo, cerca de dois anos para voltar ao ritmo normal.

Prejuízos
“A gente vai parar um pouco as pesquisas, com certeza”, confirmou a bióloga, que é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sem se desanimar. “Tem que olhar para frente e continuar”.

Apesar da preocupação com a pesquisa, ela ressaltou que nenhum prejuízo será pior que a perda humana – o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e o sargento Roberto Lopes dos Santos morreram no acidente.

Os prejuízos científicos passam por dois aspectos: a perda de dados coletados e a destruição de equipamentos importantes.

Como os laboratórios foram atingidos, Valentin já sabe que alguns aparelhos, como microscópios, foram perdidos. Dentre eles, o destaque é o Flowcam, usado para a análise do plâncton – pequenos seres vivos que ficam na superfície da água. O equipamento recém-adquirido pelo valor de US$ 120 mil (cerca de R$ 205 mil) seria usado pela primeira vez por cientistas brasileiros na Antártida.

A líder do INCT-APA teme ainda pela perda de dados importantes. O que estava nos computadores de lá ficou inacessível, mas pode ser que o material tenha sido gravado em algum outro lugar, como um “backup”. “Eu só posso dizer com segurança quando o pessoal voltar”, afirmou Valentin, que ainda não conversou com calma com os cientistas que estavam na base quando aconteceu o acidente.

Pesquisas
Os biólogos eram maioria entre os pesquisadores brasileiros na Antártida nesse verão. “Toda essa parte de mudanças climáticas tem influência direta nos organismos de lá. Por isso que é importante estudar biologia lá”, explicou.

Os seres que vivem na região passaram por um processo evolutivo de adaptação ao frio e desenvolveram mecanismos de proteção. Alguns peixes, por exemplo, produzem uma proteína que impede que o corpo deles se congele. Esses organismos seriam, portanto, mais sensíveis às alterações do clima, o que aumenta a importância dessas pesquisas.

Outro ramo importante das pesquisas na Antártida é o estudo da atmosfera. “Tudo que acontece na Antártida repercute no Brasil”, apontou a cientista.

De lá, os pesquisadores monitoram a camada de ozônio, que filtra os raios ultravioletas do Sol. Isso tem impacto sobre o Brasil na saúde, porque esses raios podem causar câncer de pele, e na agricultura, pois eles provocam alterações nas plantas.

A estação também servia de apoio para os estudos na área da geologia, com a análise química do solo e do gelo que formam o continente.

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