O governo brasileiro monitorou a ação de entidades ambientalistas na Amazônia nos anos 1990, temendo a instalação de uma “guerrilha ambiental” na floresta. É o que revelam telegramas sigilosos obtidos pela Folha no Itamaraty.

Brasil temia “guerrilha ambiental” na mata.

Documentos do Itamaraty revelam que, nos anos 1990, país criticava ação de ONGs estrangeiras na Amazônia

Temendo intervenção externa na esteira da Eco-92, diplomatas pediram represálias contra o Greenpeace

O governo brasileiro monitorou a ação de ONGs ambientalistas na Amazônia nos anos 1990, temendo a instalação de uma “guerrilha ambiental” na floresta.

Em 1994, a embaixada brasileira em Washington chegou a sugerir que o país cortasse “o mal pela raiz” e impedisse uma incursão de um navio do Greenpeace “de bandeira estrangeira e com estrangeiros a bordo”.

A preocupação aparece em telegramas sigilosos do Itamaraty entregues à Folha, dentro do projeto “Folha Transparência”.

Os documentos datam principalmente de 1990 a 1994, período no qual a diplomacia brasileira reagia de forma muito defensiva à temática ambiental, devido à Eco-92. A megaconferência terá seus 20 anos marcados pela Rio +20, em junho.

Os telegramas permitem vislumbrar a quase paranoia com que o Brasil tratava a questão de soberania na Amazônia naquela época.

Há, por exemplo, uma mensagem de fevereiro de 1992 na qual o então chanceler Francisco Rezek instrui o embaixador Rubens Ricupero a dispensar delicadamente a mediação do ex-presidente americano Jimmy Carter na negociação de um acordo internacional sobre florestas – convertido em uma mera “declaração” na Eco-92.

“Não nos interessaria a caracterização do tema florestas como um “key issue” [tema central] merecedor de atenção individualizada”, afirma o documento.

IDIOTA

Em outra mensagem, dessa vez de 1991, Rezek pede a censura a um relatório do Banco Mundial que tratava dos problemas ambientais da Amazônia. Procurado pela Folha, o ex-chanceler disse:

“O relatório me pareceu idiota”. Segundo ele, era mais um exemplo de “agente externo tentando diagnosticar problemas brasileiros sem conhecimento de causa”.

“Dizia que o governo era negligente com a floresta, quando o governo Collor estava bombardeando aeroportos de garimpeiros na Amazônia, que eram um desastre para o ambiente e para as populações indígenas”, afirma.

Um dos telegramas mais duros é de 27 de setembro de 1994 e assinado pelo então embaixador em Washington, Paulo de Tarso Flecha de Lima. Ele pede informações sobre a posição do governo a respeito de notícias de que a ONG ambientalista Greenpeace estaria prestes a iniciar o que qualifica de “guerrilha ambiental” na Amazônia.

Flecha de Lima recomenda uma posição enérgica do governo, sugerindo que os “responsáveis pelas mencionadas ameaças (…) sejam severamente advertidos” e que o navio da ONG “tenha verificadas as condições de sua presença no Brasil”.

A expedição “guerrilheira” acabou sendo autorizada pelo presidente Itamar Franco, mas foi acompanhada à distância pelo Itamaraty – e de perto pela Marinha.

“Durante três meses, um navio-patrulha fluvial ficou nos seguindo”, recorda-se Paulo Adário, hoje diretor do Greenpeace na Amazônia, que estava a bordo do navio.

O grupo teve ativistas presos e recebeu da Polícia Federal ordem de sair do país após invadir um navio que carregava madeira.

“Ficou uma situação meio ridícula, já que eu era brasileiro e fui expulso do país”, conta o ambientalista. A ordem policial foi derrubada pela Justiça do Pará.

DESCONFIANÇA

Segundo o ex-deputado Fabio Feldmann, que ajudou a mediar o diálogo entre o governo e ONGs na Eco-92, o teor dos documentos não surpreende. “Florestas sempre foram uma questão de soberania, e isso unia até mesmo o PC do B à UDR [União Democrática Ruralista]“, diz.

Ele atribui ao Brasil parte da culpa pelo fato de o tema das florestas ter virado simples declaração política no Rio, quando clima e biodiversidade ganharam convenções das Nações Unidas. “O Itamaraty era terceiro-mundista, achava que a reunião era contra o Brasil”, afirma.

Rezek atribui a postura do governo ao “cinismo expropriatório” dos países ricos. “A posição do Brasil foi de cautela, porque sabíamos o que andava circulando lá fora. Em escolas americanas andavam circulando certos atlas mostrando a Amazônia como área internacional.”

O embaixador Celso Lafer, chanceler brasileiro durante a Eco-92, diz que a posição brasileira sobre o tema tem evoluído. “Hoje temos mais conhecimento”, afirma.

FONTE: Folha de São Paulo – CLAUDIO ANGELO e RUBENS VALENTE