Mais de 150 ONGs vão se instalar no Aterro em evento paralelo à Rio+20, conferência do clima das Nações Unidas, em junho.
Vinte anos depois da ECO 92, organizações da sociedade civil chegarão à Conferência do Clima das Nações Unidas, a Rio+20, com um peso a mais na bagagem. A preocupação com o meio ambiente é a mesma, mas depois do relatório do IPCC (Intergovernmental Painel of Climate Change, na sigla em inglês) divulgado em 2007, cientistas mostraram que os impactos são realmente causados pelos humanos e que há urgência na solução dos problemas. É assim que, deixando de lado o foco em causas próprias e regionais, mais de 150 ONGs e outras entidades se reunirão na Cúpula dos Povos, evento paralelo que tomará o Aterro do Flamengo, enquanto os líderes mundiais discutirão a portas fechadas no Riocentro, entre 20 e 22 de junho.
Enquanto as ONGs estão mobilizadas, o que se vê na cidade é diferente. A quatro meses da realização da Conferência, ela ainda não tomou as ruas do Rio de Janeiro, e está longe de ser assunto dos cariocas. Mesmo com a falta de engajamento dos cidadãos comuns, a Cúpula dos Povos, que será o maior evento aberto à sociedade civil na programação OFF Rio+20, quer provocar grande rebuliço. Assim como na ECO 92, o local que a prefeitura destinou para as entidades é o Aterro do Flamengo, no coração da Zona Sul da cidade. Segundo a organização do movimento, mais de dez mil pessoas já confirmaram presença. Como boa parte delas vêm de outros estados e países, será grande o número de acampados no local, onde debates, palestras, feiras, demonstrações de tecnologias, manifestações artísticas e afins acontecerão entre os dias 14 e 23 de junho.
Na organização do evento estão as ONGs Ibase e Fase, além do Movimento dos Sem Terra, entre outras entidades. No que se refere à questão ambiental, uma unanimidade entre as ONGs participantes é a oposição clara ao foco escolhido pela ONU para o debate no Riocentro: a economia verde. O tema é detalhado no documento “Rascunho Zero” (documento com propostas que serão levadas à conferência). , que não tem força de lei e servirá de base para os discussões oficiais da conferência. O texto é considerado frágil pelos integrantes dos movimentos sociais porque propõe tratar a natureza a partir de uma lógica de mercado e passa ao largo de uma questão central quando se trata de criar estratégias para o desenvolvimento sustentável: fazer a crítica ao capitalismo como modelo econômico.
Para Moema Miranda, diretora do Ibase, todos sabemos que o planeta tem limites. Mas, mercantilizar serviços naturais sem discutir as regras de uma nova economia é pôr band-aid num paciente terminal.
– O documento da ONU propõe a conversão para a economia verde sem fazer uma crítica profunda ao modelo de civilização. Bota-se preço no crédito carbono, mas sem ter uma regulamentação. É preciso discutir para construir as regras desta nova economia porque, do contrário, vamos mensurar os sistemas mais vitais da vida, sem discutir os modos de produção que estão exaurindo os recursos naturais. O que vamos mostrar na Cúpula são soluções alternativas e possíveis de pequenos grupos regionais para promover a justiça social, respeitando o meio ambiente – disse Moema.
Segundo Fátima Mello, da Fase, membro do Comitê Organizador da Cúpula, a ideia das organizações é fazer com que a sociedade se mobilize para influenciar as decisões tomadas pelos líderes mundiais.
– Os problemas que o mundo está enfrentando são muito mais amplos do que o que está proposto no Rascunho Zero. A fórmula que a ONU propõe é que a tecnologia vai salvar o mundo. Mas, para quê, e a quem ela servirá? Se for para as empresas lucrarem mais, e países em desenvolvimento continuarem dependentes, não é o que queremos – disse Fátima.
Além das atividades artísticas, as entidades que estarão acampadas no Aterro mostrarão alternativas práticas para uma sociedade mais sustentável. Quem passar por lá, vai poder ver de perto demonstrações de práticas de agricultura orgânica, agroecológica e com base familiar. Tudo o que os participantes da Cúpula vão comer durante o evento será feito por camponeses que fornecem alimentos para o Programação Nacional de Alimentação Escolas e de Aquisição de Alimentos, do governo federal. Ambos os programas têm como objetivo o fomento da agricultura familiar.
Haverá também protótipos de energia solar, que serão montados pela ONG Greenpeace, além de um espaço para experimentação de mídia alternativa, com a exibição de um canal próprio da Cúpula, e um modelo de separação e reciclagem de lixo para os resíduos gerados lá. A União Nacional dos Estudantes estará na Cúpula, além de movimentos quilombolas, indígenas entre outros. Representantes de manifestações mundiais, como o “”Occupy Wall Street” e a Primavera Árabe também já estão confirmados. Haverá um dia de mobilização, em que jovens de todo o mundo serão contactados por meio das tecnologias de comunicação disponíveis. Um movimento de jangadeiros do Nordeste vai cruzar o mar até o Rio de Janeiro para participar também.
Além da discussão geral sobre as questões ambientais, movimentos nacionais e internacionais vão trazer casos práticos. Um exemplo é a Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), que montará uma tenda onde mostrará o cotidiano da seca, que pode ser agravada pelo aquecimento global. Segundo um dos membros da coordenação do ASA Brasil, José Procópio, eles levarão à Cúpula a discussão sobre o acesso à água:
– No semiárido, água tem significado de justiça social, igualdade, ou do contrário. Temos que discutir a desertificação, mas pensando na reforma agrária, na distribuição de renda. Se cada agricultor tiver acesso à terra e aos meios de irrigação, é o meio ambiente que fica preservado, e reduz-se, ao mesmo tempo, a pobreza e a fome. Estamos apostando que a Rio+20 e a Cúpula sejam espaços importantes de troca. Na ECO 92 era difícil chegar ao Rio, eu não consegui. Dessa vez estarei lá.
A articulação pretende levar para o evento uma demonstração de cisternas, que vêm sendo construídas em parceria com o governo federal, para garantir acesso à água de qualidade no semiárido.
Outra entidade que estará presente na Cúpula dos Povos é a Via Campesina, que vai apresentar projetos de agroecologia e promover um debate sobre reforma agrária, e o consequente fortalecimento do pequeno agricultor, como um caminho para a produção de alimentos sem agrotóxico ou fertilizante.
– A reforma agrária no Brasil e no mundo é uma reposta para a produção de alimentos e geração de renda para o pequeno produtor. É este debate que queremos fazer com os participantes da Cúpula – contou Luiz Zarrefel, coordenador da Via Campesina, uma das entidades ligadas ao MST.
Para o sociólogo Ivo Lesbaubin, coordenador do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e diretor da Associação Brasileira das Organizações Não-governamentais (Abong), a sociedade civil chegará ao evento da Rio+20 como uma notoriedade que não tinha há 20 anos:
– Na ECO 92, apenas ambientalistas e ONGs fortes como Greenpeace e WWF lutavam pela preservação do meio ambiente. As ONGs saíram fortalecidas da ECO, até porque algumas conseguiram chegar ao Riocentro e negociar com os delegados dos países. Hoje, algumas entidades já têm assento nos debates prévios da Rio+20, participando de reuniões para a organização do evento. Elas, agora, já chegam fortalecidas.
Quem quiser participar ativamente de eventos paralelos, inscrevendo oficinas ou montando um stand, por exemplo, a hora é agora. Estão abertas as incrições para eventos paralelos organizados pela Cúpula dos Povos, pela própria ONU – que terá espaço para projetos nos arredores do Riocentro – e pelo governo brasileiro, que, segundo o Itamaraty, destinará oito espaços, entre eles o Autódromo e a Arena da Barra, para a sociedade civil.
Até o próximo dia 17, é possível fazer inscrição no site www.rio20.gov.br, coordenado pelo Comitê Nacional de Organização, ligado ao Ministério de Relações Exteriores, para realização de eventos em espaços cedidos pelo governo federal, fora do Riocentro. Para se inscrever em eventos paralelos em espaços cedidos pela própria ONU, o site é o rio20.info. É necessário mandar um formulário preenchido até 30 de março. E a Cúpula dos Povos também abriu inscrições, pelo site cupuladospovos.org.
FONTE: O Globo – Camila Nobrega e Martha Neiva Moreira
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