A possibilidade de áreas alagadas com a subida das águas do rio Xingu gera preocupação e é alvo de levantamento realizado pelo Ministério Público Federal no Pará (MPF/PA). A expressão cota 100 delimita o nível a que as águas do Xingu podem chegar quando a barragem de Belo Monte for erguida. Moradores do município de Altamira, no oeste do Pará, são ouvidos e recebem orientação sobre o risco de inundações na região.
Ainda que não entendam muito bem o significado técnico, os moradores sabem que quem estiver abaixo disso corre risco de estar entre os deslocados pela usina. Para acompanhar de perto a maneira como a comunidade é tratada pelos construtores, o MPF e a Universidade Federal do Pará (UFPA), realizam desde o ano passado um trabalho independente para levantar e conferir as informações do empreendimento sobre as áreas alagáveis na cidade.
Professores ligados à UFPA ganharam o reforço de estudantes e moradores das comunidades afetadas, que estão sendo treinados nas ruas para fazer a medição topográfica e finalizar o desenho do perímetro e a contagem das residências e comércios. Os estudantes, dos cursos de geografia, engenharia florestal e biologia, percorreram as ruas da cidade marcando os pontos de cota 100 (correspondente a 100 metros acima do nível do mar).
De acordo com as indicações dos Estudos de Impacto Ambiental, há risco de alagamento nas áreas que fiquem entre as cotas 97 e 100. “Quis participar porque é uma oportunidade de aprendizado, mas também porque nos sentimos incentivado pela própria população atingida, que não tem até agora informações concretas sobre o que vai acontecer”, explica Gheyson Silva da Costa, aluno de geografia que participa da equipe.
Os professores da UFPA que colaboram com a medição independente a pedido do MPF/PA são liderados por André Montenegro, doutor em geociência que atua no campus de Belém. Os professores Hermes Medeiros e Éder Mileno, do campus de Altamira, assim como a arquiteta Myrian Cardoso, o analista de sistemas Kleber Alírio e a engenheira Rosicleide Cardoso também participam.
O grupo detectou várias inconsistências entre pontos da medição independente e os pontos medidos pelas empresas que participaram dos estudos de Belo Monte. As inconsistências são significativas: existem pontos medidos pelos empreendedores que na verdade estão entre 70 cm e 1 metro acima do que foi constatado pela equipe da UFPA.
Em um dos pontos, em uma área do centro da cidade com muitas residências e comércio, a cota 100 está localizada cerca de 30 metros antes do marco medido pelos empreendedores. Na prática essas inconsistências podem significar que a área alagada em Altamira e o número de pessoas deslocadas vão ser bem maiores do que o previsto nos estudos de impacto ambiental.
“Se o lago de Belo Monte ficar do tamanho previsto pelos estudos, vai ser a primeira vez que o setor elétrico acerta na previsão de alagamento em usinas na Amazônia. O lago de Tucuruí ficou 38% maior do que o previsto e o alagamento inicial até a cota 72 acabou ficando na cota 74. No caso de Balbina, o desastre foi ainda maior: em vez da água chegar à cota 46, como anunciado, chegou à cota 50,2”, lembra o procurador Felício Pontes Jr.
As dúvidas técnicas só poderão ser sanadas depois que ficar esclarecida qual a base inicial das medições dos empreendedores. Os técnicos responsáveis pelo levantamento utilizam como base um marco geodésico homologado internacionalmente no ano passado, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O marco fica dentro do quartel do exército em Altamira e é o ponto de partida mais confiável para os estudos de topografia na região.
Após a conclusão dos trabalhos de topografia, com base em dados da prefeitura de Altamira e do IBGE, os técnicos poderão estimar o número de ruas, quadras, casas e pessoas afetadas pelo alagamento. “A medição independente é uma etapa importante para que o MPF possa fiscalizar a forma como o empreendimento lida com os atingidos. Já temos problemas sérios registrados na área rural com agricultores perdendo plantios e áreas de mata por indenizações injustas. Precisamos estar preparados para quando os deslocamentos da população urbana começarem. As pessoas não têm informações até agora”, explica o procurador da República, Cláudio Terre do Amaral.
Fonte: Portalamazonia
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