Já foi dito que a Floresta Amazônica é um universo de vida tão vasto e influente que a própria vida na Terra está intimamente ligada a ela. Não é à toa, portanto, que nos últimos anos a maior extensão de floresta tropical do planeta se tornou palco de atenção e preocupação mundiais. Em tempos de mudanças climáticas, o território antes chamado de “pulmão do mundo” agora é visto como “o grande ar-condicionado”, que ameniza o clima planetário enquanto os países desenvolvidos emitem toneladas de gases de efeito estufa. Isso porque a vegetação da Amazônia guarda um estoque inimaginável de carbono. Se liberado na atmosfera pelas queimadas e pelo desmatamento, o gás resultante desse elemento químico paradoxalmente essencial à vida – o dióxido de carbono (ou CO₂) – pode alterar de forma perigosa o clima da floresta e do planeta a níveis insuportáveis para todos os seres vivos.

Símbolo de biodiversidade: antes ameaçado pela caça, o peixe boi amazônico encontra-se agora protegido em muitas reservas

O incremento da pecuária, nas últimas décadas, tem sido o principal fator de destruição da Amazônia Legal brasileira, que abrange os estados de Amazonas, Amapá, Acre, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, num total de 5 milhões de quilômetros quadrados. Em seu livro A Gestão da Amazônia – Ações Empresariais, Políticas Públicas, Estudos e Propostas, o ecomomista Jacques Marcovitch, professor da Universidade de São Paulo (USP), revela que 70% do que já foi arrancado de floresta teve como causa a abertura de pastagens para a criação de gado. É um número assustador. O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) – organização não governamental que faz o monitoramento via satélite do desmatamento em paralelo com dados oficiais do governo – tem em conta que foram derrubados, entre 1990 e 2006, nada menos que 253 mil quilômetros quadrados de mata nativa para a atividade pecuária. Apenas nesse período, a quantidade de reses aumentou de 26 milhões para 73 milhões na região.

Os resultados naturais desse desleixo já podem ser sentidos, sobretudo, nos fenômenos climáticos. “A seca de 2005 e as chuvas torrenciais que encharcaram a floresta e seus habitantes em 2009 podem, sim, ser atribuídas às consequências das mudanças climáticas causadas pela ação do homem”, revela o climatologista Carlos Nobre. O cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acredita que tais anomalias são um sinal nítido de que o clima na Terra não vai bem e ameaça a própria floresta. Em um ciclo vicioso, alerta ele, quanto menos vegetação, maior a chance de o clima se alterar.

O interesse pela Amazônia, entretanto, não está apenas na questão climática. Em um século no qual a escassez de água potável é um drama em muitos países e suscita até mesmo guerras entre nações, a região abriga a maior bacia hidrográfica do mundo. Seus cerca de 6,9 milhões de quilômetros quadrados – sendo 3,8 milhões em território brasileiro – têm como principal curso d’água o Amazonas, que nasce nos Andes e serpenteia continente adentro, alimentado por uma rede de afluentes, que inclui 25 mil quilômetros de rios navegáveis. Toda essa força hídrica seria capaz de responder por mais de 50% do potencial hidrelétrico do país. Apenas o rio Xingu, com seus 450 mil quilômetros quadrados, seria capaz de fornecer 22 mil megawatts de energia, segundo estimativas da Eletronorte.

O efeito colateral do bom uso das águas, todavia, são as alterações ambientais nas áreas onde as usinas hidrelétricas se instalam. Segundo o ecólogo José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia, os reservatórios das barragens, quando mal projetados, podem gerar gases de efeito estufa, como o metano e o dióxido de carbono, por causa do apodrecimento de material orgânico da vegetação submersa. Hoje, a Amazônia conta com 18 hidrelétricas em funcionamento. Outras quatro usinas estão em construção, entre elas a de Belo Monte, no Pará. E cinco se encontram no papel.

Os rios amazônicos são habitados por 1,3 mil espécies conhecidas de peixes – caso do pirarucu, um gigante que pode chegar a 3 metros e atingir mais de 200 quilos. A floresta tropical é um enorme baú do tesouro da biodiversidade. Perto de 6% da flora e da fauna existentes nos cinco continentes estão concentradas ali. Sabe-se que esse banco genético – se bem estudado e administrado – será também o maná da humanidade para a medicina e a pesquisa de substâncias ativas que podem vir a ser utilizadas na fabricação de remédios e na produção, por exemplo, de biocombustíveis e biotecnologias.

A Amazônia, porém, não é só fauna e flora: é também a casa de milhões de seres humanos. São caboclos, índios, mestiços, além de uma legião de pessoas que saiu de várias partes do país (ou de outros países) para ganhar a vida na floresta. Na Amazônia Legal, formam uma população de 25 milhões de habitantes, 70% dos quais estão estabelecidos nos 775 municípios. Essa ocupação humana – que nem é tão densa em relação a outras regiões brasileiras – é grande geradora de problemas: pobreza, desemprego, falta de saneamento básico, doenças.

Nesse contexto desfavorável ao homem da Amazônia, os índios, habitantes originais, também lutam pela sobrevivência de suas etnias e culturas. Na Amazônia Legal, segundo estimativas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), vivem mais de 340 mil indígenas de 170 etnias em 409 reservas. O Xingu – a mais antiga área indígena protegida do país -, são cerca de 6,1 mil índios. O parque foi criado em abril de 1961 pelos sertanistas Cláudio, Leonardo e Orlando Villas Bôas, e tem 84 mil quilômetros quadrados demarcados – uma ilha de verde em meio ao avanço da agropecuária no norte do Mato Grosso. Ali, distribuídos nas regiões do médio, baixo e leste Xingu, vivem 16 povos, com variedade linguística e cultural. Ainda assim, a harmonia reina no parque, a ponto de haver, inclusive, casamentos e rituais entre as aldeias. Nos 50 anos de sua demarcação, comemorados neste ano, o Xingu continua sendo um exemplo de reserva indígena eficiente, embora muitos critiquem a “exagerada” extensão de terras reservadas a esses povos amazônicos. “Eles necessitam de grandes áreas porque sobrevivem delas, precisam caçar, pescar, plantar”, indica a antropóloga Carmen Junqueira, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, que há mais de 40 anos visita os territórios indígenas da Amazônia.

A geógrafa Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudiosa das questões amazônicas, acredita que não se pode fazer pesquisa nem fomentar o desenvolvimento sustentável sem incluir nesse pacote qualidade de vida para os habitantes. “As pessoas que moram lá vivem mal porque os recursos são sempre explorados de forma a mandar as riquezas para fora da área em que é produzida”, diz Bertha, que aponta as poucas cadeias produtivas e geralmente incompletas como principal causa. “A agregação de valor acontece fora da região; não há nenhuma base econômica organizada, mas sim a destruição dos recursos naturais, sem trazer benefícios à população.”

A Amazônia, contudo, não se limita a problemas. Se bem tratada, a maior floresta tropical do planeta guarda um amanhã promissor. O economista da USP Jacques Marcovitch prevê, em seu livro, que o futuro da humanidade pode estar no Norte do país: “Não há lugar no Brasil tão propício a experiências avançadas em biotecnologia ou procedimentos de integração e reencontro do homem com a natureza. A região oferece todas as precondições para a realização do sonho ambientalista”. Marcovitch acredita ainda que unir o saber dos cientistas ao fazer dos empreendedores é um consenso dentro e fora da Amazônia. Para a geógrafa Bertha Becker, não pode haver desenvolvimento sustentável sem qualidade de vida para os moradores.

Esse futuro está bem mais próximo do que se imagina. A pressão mundial pela proteção da Amazônia tem trazido resultados animadores. O Brasil já possui o mais moderno e confiável sistema de monitoramento via satélite de desmatamento em todo o mundo e exporta esse conhecimento para vários países. Administrado pelo Imazon, o sistema gera informações sobre as alterações na floresta, que são divulgadas mês a mês. Assim, no mundo todo, sociedade civil, imprensa e governos podem ficar de olho no que acontece na região. Esse “big brother” de proporções amazônicas está dando resultado. A Polícia Federal e os órgãos fiscalizadores têm aumentado a vigilância e a punição contra os crimes ambientais, enquanto os índices de desmatamento vêm caindo nos últimos cinco anos.

A pesquisa e o desenvolvimento de projetos ambientais e manejos sustentáveis ganharam grande incremento na década passada. Cidades que dez anos atrás figuravam como as que mais devastavam a floresta com a ação de madeireiras clandestinas, falta de regularização fundiária e queimadas hoje são modelo de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável. O caso mais notável é Paragominas, no Pará, que passou de campeã do desmatamento a modelo de manejo florestal. Com base em exemplos como esse, muitos pesquisadores, nacionais e estrangeiros, creem que a salvação da floresta não é utopia, mas de realização palpável. Eles acreditam que cada vez mais o homem tem dado conta de que a Amazônia produtiva e geradora do desenvolvimento tropical é a Amazônia em pé.

Por Afonso Capelas Jr. *
* Jornalista, escreve hoje para o movimento Planeta Sustentável.
Fonte: National Geographic Brasil (disponível em: julho 2011)