Pesquisa da Unesp aponta que a manutenção da palha da cana-de-açúcar no solo após a colheita ajuda a reduzir as emissões de gases que contribuem para o aquecimento global. Estratégia serve também para prevenir erosões no terreno
Boa parte do gás carbônico emitido para a atmosfera pode vir da respiração do solo. Pelo menos é o que apontam estudos realizados na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no Campus de Jaboticabal. A comprovação veio após dois anos de coleta de dados e análises realizadas durante o preparo da terra e colheita de cana-de-açúcar. Segundo os cientistas, a manutenção da palha da cana na superfície de plantações que adotam o sistema de colheita mecanizada contribui significativamente para a redução das emissões.
Os pesquisadores envolvidos no projeto realizaram entre 2008 e 2010 quatro estudos em lavouras de cana de Jaboticabal. “Precisamos entender como as práticas de manejo de cana interferem na emissão de carbono, especialmente as associadas à colheita e ao preparo do solo”, justifica Newton la Scala Júnior, físico da Unesp e coordenador da pesquisa.
Os estudos de campo e os testes em laboratórios com amostras de solo demonstraram que os valores médios de emissão de áreas cuja colheita da cana foi realizada pelo sistema mecanizado são significativamente menores do que os de plantações em que a cultura é colhida pelo sistema de queima, no qual se elimina a palha. “Já sabíamos que o preparo do solo acelera as emissões. O que não sabíamos é que a simples retirada da palha causa emissões significativas, tão grande como as induzidas pelo preparo da terra”, acrescenta Scala.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores dividiram uma plantação em três áreas: uma que permanecia parcialmente coberta pela palha, outra totalmente revestida pelo resíduo e uma terceira sem qualquer resíduo. Ao longo de 50 dias, os cientistas observaram, analisaram e compararam dados até concluir que as partes cobertas por palha emitiram 400kg a menos de carbono – correspondentes a 1,5 mil quilos de gás carbônico – por hectare (10 mil metros quadrados). “Se você retira a palha da superfície, pode acelerar uma perda de carbono (que vai para a atmosfera)”, esclarece o coordenador da pesquisa.
Segundo os cientistas envolvidos no projeto, a explicação para os resultados está na respiração da terra. A presença da palha faz com que a temperatura no interior do solo caia e a umidade aumente, diminuindo a oxigenação e a matéria orgânica presente no solo. “Tendo em vista que o solo é um compartimento importante para o armazenamento de C02 na atmosfera, essa redução da emissão de carbono pode ser significativa”, esclarece o agrônomo José Marques Júnior, colaborador da pesquisa.
A estratégia de manter a palha no solo após a colheita da cana reduz a emissão de outros gases do efeito estufa. Segundo Carlos Eduardo Pelegrino Cerri, engenheiro agrônomo e professor do Departamento de ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz, da Universidade de São Paulo (Ezalg/USP), a estratégia evita o lançamento na atmosfera também de metano e óxido nitroso – esse último 300 vezes mais potente que o C02 em termos de efeito estufa. “A cama de palha sobre o solo evita a queima da cana e, consequentemente, a transformação da biomassa (folhas, galhos etc) em gases”, explica Cerri. Além disso, a manutenção das folhas na terra ajuda a reduzir problemas como erosão e aumenta a qualidade do solo, beneficiando a cultura.
Etanol
A pesquisa provoca uma discussão no meio cientifico. Isso porque diferentes estudos avaliam o uso da palha da cana-de-açúcar na produção de etanol de segunda geração, numa busca justamente por um combustível limpo e menos poluente. O estudo da Unesp levanta a dúvida: vale a pena retirar a palha para a produção do biocombustível?
“Se deixarmos as plantações nuas (sem a palha), estaremos acelerando a emissão de carbono para a atmosfera. Seremos um dos maiores responsáveis por essa emissão, indo contra o comprometimento com essa redução”, analisa Scala. “Se retirarmos muito dessa palha, podemos causar uma série de problemas para o solo, incluindo a erosão e o empobrecimento da terra”, complementa Cerri.
Por outro lado, há a possibilidade de combinar as duas estratégias, pois o solo não consegue decompor toda a palha que fica na superfície. Ou seja, a retirada de parte do resíduo pode ser benéfica. A colheita mecanizada gera entre 10t e 16t de palha na superfície por hectare, uma quantidade muito grande de vegetação para o solo decompor. O interessante, portanto, é calcular a quantidade ideal de palha a ser retirada do solo, sem que haja aumento significativo das emissões de gases que provocam o aquecimento global. “Ainda não conhecemos a quantidade ideal. Mas deve ficar em torno do uso de 50% dos resíduos”, aposta Scala.
Fonte: Correio Braziliense
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