A violência que tem atingido o Estado do Pará nas últimas semanas começa a se aproximar das aldeias indígenas do complexo do Xingu, região onde será construída a usina hidrelétrica de Belo Monte.  A crescente pressão sobre as aldeias é feita por grileiros de terras e fazendeiros da região.

As terras indígenas Juruna do Km 17, Apyterewa, Arara da Volta Grande do Xingu e Paquiçamba, todas localizadas na área de influência da hidrelétrica de Belo Monte, são os principais alvos dos possíveis conflitos.As informações foram relatadas ao Valor pelo presidente da Associação dos Índios Moradores de Altamira (Aima) e líder do Conselho Indígena do município paraense, Luiz Xiporia.  “Há um clima de tensão muito forte em toda a região, os índios que vivem no entorno de Belo Monte passaram a ser constantemente ameaçados de morte”, conta Xiporia, que pertence à aldeia Apyterewa.  “Nós precisamos dialogar e agir.  Se nada for feito, poderá haver uma catástrofe na região”, diz ele.

Líder da área indígena Juruna do Km 17, Sheyla Yakarepi acusa os governos local e estadual de não dialogarem sobre o problema.  “Todos sabem que há ameaças de morte rondando as aldeias, mas ninguém parece disposto a encarar esse problema de frente”, afirma.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) também está preocupada com a situação e decidiu que irá pedir uma intervenção direta do governo para evitar que a violência se alastre pelas terras indígenas.  Doto Takak-Ire, líder caiapó na região do Médio Xingu e coordenador da Funai no município de Novo Progresso, diz que a fundação, vai solicitar ao governo federal uma intervenção direta para levar mais segurança à região.

“Sabemos que a construção da usina de Belo Monte vai provocar mais grilagem de terras e conflitos com as tribos que vivem próximas ao local da hidrelétrica”, diz.  “Por isso, não adianta só a Funai fazer segurança.  A gente sabe que grileiro de terra não vai respeitar o índio.  Tem de ser algo de branco com branco, senão não vai resolver”, comenta o líder caiapó.

O relatório de impacto ambiental de Belo Monte aponta que os dois reservatórios da usina não deverão inundar terras indígenas.  Alguns reflexos da obra, no entanto, aumentam sensivelmente o interesse em explorar as reservas.  O Valor sobrevoou toda a região que será direta e indiretamente afetada pela obra.  Na margem esquerda do Xingu, onde será aberto o canal para a casa de força principal de Belo Monte, já há áreas com alguma devastação provocada pela extração ilegal de madeira e abertura de pasto.  Na Volta Grande do Xingu, no entanto, numa extensão de aproximadamente 100 km – que ficará com a vazão permanentemente baixa devido à construção da barragem do sítio Pimentel –, diversas aldeias vivem em uma área rica em minérios e metais preciosos, como ouro, o que atrai o interesse de garimpeiros.

Nesse trecho, onde estão as terras indígenas Arara da Volta Grande do Xingu, Paquiçamba e Trincheira Bacajá, boa parte da floresta permanece praticamente intacta.  Doto Takak-Ire diz que os índios também estão preocupados com a invasão de terras, devido à migração em massa de pessoas para a região, movimento puxado pelo aumento do preço da terra e pelas ações de reassentamento.

Os episódios de violência que tomaram conta da Amazônia nas duas últimas semanas, com a morte de líderes camponeses e ambientalistas, fez soar um alerta em Brasília.  Na semana passada, o secretário da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse que o governo tomará medidas mais enérgicas para enfrentar a criminalidade na região.

Embora Belo Monte esteja razoavelmente distante dos principais focos de conflito entre ambientalistas e extrativistas ilegais no Pará – Santarém está a 500 km de Altamira -, a preocupação com o complexo do Xingu é imensa.  O governo quer a atuação de uma força conjunta entre Exército, Marinha, Aeronáutica e Polícia Federal para aumentar a atuação em áreas de risco.  Com tantas críticas e polêmicas em relação a Belo Monte, a última coisa que o governo gostaria de ver é um ato de violência nas áreas de influência da obra da usina hidrelétrica.

A Norte Energia, sociedade responsável pela construção e operação da usina, tem mantido diálogo constante com lideranças indígenas da região.  O governo também tem atuado para estreitar o relacionamento com as aldeias e evitar conflitos.  A Funai, por exemplo, participa do comitê gestor do plano de desenvolvimento regional do Xingu, o grupo criado para gerenciar as ações socioambientais ligadas à construção da hidrelétrica.

Há, no entanto, aldeias indígenas que não aderiram ao comitê liderado pelo governo federal.  “Todos sabem que nessa região tem muito pistoleiro e gente morrendo para todo lado”, diz Doto Takak-Ire.  “Vou levar esse assunto para o comitê gestor, para que a gente tente evitar o pior.”

Fonte: Valor Online