Uma velha discussão pode resultar em novos conflitos envolvendo as comunidades indígenas da região da Raposa Serra do Sol. A construção da hidrelétrica de Cotingo se arrasta há três décadas e já motivou desavenças entre índios e não índios, uso das forças militares e até litígio no âmbito da Justiça.

O assunto voltou à discussão em 2002 e na quarta-feira passada, a Comissão de Minas e Energia aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 2540/06, do Senado, que autoriza a construção da hidrelétrica no rio Cotingo.

Segundo o texto, a hidrelétrica vai aproveitar o potencial energético da cachoeira do Tamanduá, localizada no rio Cotingo, no município de Uiramutã. Esse é o principal gargalo que na opinião do Conselho Indígena de Roraima (CIR) impede a construção da hidrelétrica, já que na área vivem etnias Macuxi, Ingaricó, Taurepang e Wapixana.

“A gente não é contra a energia, mas contra a construção da barragem. Não aceitamos na cachoeira do Tamanduá porque vai prejudicar várias comunidades com inundações. Estamos vendo outras possibilidades de uma energia limpa. Estamos discutindo na comunidade e fazendo um estudo da energia eólica”, disse o vice-presidente da entidade, Ivaldo André Macuxi.

O relator na Comissão de Minas e Energia, deputado Davi Alcolumbre (DEM-AP), retirou do texto original a necessidade de aprovação pelo Congresso de um acordo com as comunidades indígenas afetadas pela usina.

Ele entende que a usina do rio Cotingo ajudará a garantir abastecimento elétrico para Roraima e a diminuir a dependência de importação energética da Venezuela. A construção da barragem provocará impactos sociais e ambientais, mas bem menores do que os decorrentes da poluição causada pela operação de usinas termelétricas que viessem a ser construídas.

Pela nova redação aprovada, a construção da hidrelétrica fica condicionada ao planejamento de gestão integrada e sustentável dos recursos hídricos. Essa nova proposta vai de encontro ao que estabelece a Constituição Federal, que determina, por se tratar de área indígena, autorização do Congresso Nacional, via decreto legislativo, depois de ouvidas as comunidades.

Outra mudança acatada pelo relator diz respeito à responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) nesse processo. Antes, o Ibama emitiria os laudos de Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), agora a licença ambiental para a realização da obra.

Segundo a superintendente do Ibama, Nilva Baraúna, os procedimentos serão os mesmos. Disse que haverá apenas a descentralização para que o processo se torne mais célere.

“O Ibama continuará com os mesmos critérios para conceder as licenças prévia, de instalação e operação. A prévia é para ver a viabilidade da obra e a de instalação para saber o que vai ser utilizado como maquinário, o tipo de explosão. São licenças técnicas. A licença ambiental é todo esse conjunto e, se for preciso alguma condicionante, será dado o tempo para resolver”. Perguntada se, do ponto de vista do meio ambiente, a construção no local escolhido traria prejuízos, Nilva afirmou que “aquela é uma das áreas que talvez sejam a de menor impacto ambiental”.

Ela fez questão de frisar que a área “está no coração de uma terra indígena [Raposa Serra do Sol] e que, portanto, deveria passar pela consulta das organizações governamentais indígenas e da Fundação Nacional do Índio [Funai]”.

TRAMITAÇÃO – O próximo passo desse projeto é ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, depois segue para votação no plenário. A proposta já foi aprovada pela Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional, com uma emenda, e na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, também com emenda.

GOVERNO – O vice-governador, Chico Rodrigues, informou que Cotingo é a hidrelétrica que traria menos impactos ambientais para Roraima. “É uma obra importante para Roraima, que vai gerar mais de 400 megawatts de potência instalada, energia suficiente para abastecer Roraima e exportar o excedente, gerando divisas para o país”.

Rodrigues destaca ainda que além da autonomia energética para o Estado de Roraima, a hidrelétrica também poderá impulsionar a agricultura, com a utilização da água dos rios tanto na Raposa Serra do Sol como fora da terra indígena.

Ele informou ainda que o Governo de Roraima pediu ao Ministério de Minas e Energia que incluísse Cotingo no estudo de viabilidade técnica, que havia contemplado apenas as hidrelétricas do Paredão e Bem-Querer.

Fonte: Folha de Boa Vista