Marcondes Nambla, 30 anos, morava até o ano passado em Curitiba (PR), para onde havia partido para estudar Ciências Sociais dois anos antes. Como muitos estudantes pelo País, deixou a sua família e amigos para mudar de cidade e conseguir uma melhor qualificação profissional.

Nambla poderia ser um típico universitário, mas ele é um cacique. Do povo Xokléng, de Santa Catarina, o índio conta que deixar a aldeia não foi fácil. “De repente você está em uma capital e não conhece ninguém, não tem amigo nenhum, é todo mundo competindo. Acaba se sentindo muito sozinho”, recorda.

Porém, desde 2011, Nambla vive uma realidade bem diferente. Ele faz parte da primeira turma de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cujas aulas começaram em fevereiro. “Aqui é muito diferente, ficamos próximos. Só da minha terra indígena vieram 40 pessoas”, afirma o professor que ensiou o idioma xokléng para a sua tribo de 2000 a 2008. “A nossa língua estava se perdendo, na década de 90 apenas 30% do grupo Xokléng era bilíngue”, lamenta. Agora, frequentando o curso da UFSC, Nambla vai ter muito mais subsídios para ensinar a sua aldeia sobre a língua e a cultura indígena.

Assim como o cacique, outros 119 índios estão frequentando a primeira faculdade para professores indígenas das regiões Sul e Sudeste do País. Além dos Xokléng, participam das atividades alunos Guaranis e Kaingang, vindos dos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo e São Paulo. Assim como qualquer aluno de ensino superior, os índios tinham Ensino Médio completo e prestaram vestibular para conseguir a vaga.

O curso dura quatro anos e é totalmente presencial, porém, como a maioria já dá aulas em suas aldeias, era inviável que permanecessem todo esse tempo em Florianópolis. Assim, as disciplinas são ministradas por etapas intensivas, que duram algumas semanas, com aulas de manhã e de tarde e com atividades acadêmico-científico-culturais. A primeira parte, por exemplo, está ocorrendo em fevereiro, e a segunda será em maio. Assim, os estudantes podem voltar para as suas tribos com alguma frequência, e o custeio da hospedagem e das passagens fica por conta de entidades como o MEC e a Funai.

O objetivo do curso é solidificar o ensino que é feito nas aldeias. Os universitários terão, ao longo da faculdade, disciplinas como laboratório de línguas indígenas, tecnologia de informação e comunicação para população indígena, língua portuguesa, história pré e pós-colonial, mitologia indígena, entre outras. Até o quinto semestre, as turmas são separadas de acordo com a etnia dos alunos, aprendendo conteúdos específicos sobre a sua cultura. Depois os acadêmicos são separados de acordo com a terminalidade que escolherem. Há quatro opções, como Licenciatura das Linguagens, com ênfase em línguas indígenas; Licenciatura das Linguagens, com ênfase no ensino fundamental; Licenciatura do Conhecimento Ambiental e Licenciatura em Humanidades, que trata dos direitos dos índios.

Para Maria Dorothea Darella, que faz parte da equipe de coordenação do curso, a iniciativa é uma troca de conhecimentos, porque não são só os índios que saem ganhando com as aulas. “É um aprofundamento de saberes. A universidade também ganha porque justamente aqui vamos conseguir entender melhor a diversidade sócio-linguística-econômica do Brasil”, explica. “Somos um País pluriétnico, então os nossos alunos (os não-índios) também vão aprender sobre essa pluralidade”, diz a antropóloga sobre as atividades de integração que pretendem fazer na instituição entre os estudantes indígenas e os outros.

Fonte: Terra