O Tribunal Regional Federal (TRF) de Mato Grosso decidiu a favor dos índios Xavante, reconhecendo o direito deles à Terra Indígena (TI) Marãiwatsédé. A posse de todos os ocupantes da TI foi considerada de má-fé, sobre bem imóvel da União. A decisão foi tomada por unanimidade, num julgamento que começou no fim de 2009 e terminou com a publicação do Mandado de Intimação no Diário Oficial de 22 de novembro de 2010, orientando a Funai e os órgãos estratégicos da União para que façam estudos adequados, a fim de evitar o acirramento de conflitos na área e causar o menor sacrifício possível para as partes envolvidas.

Para o TRF não há dúvida de que a comunidade Marãiwatsédé “foi despojada da posse de suas terras na década de sessenta, a partir do momento em que o Estado de Mato Grosso passou a emitir título de propriedade a não-índios, impulsionados pelo espirito expansionista de ´colonização` daquela região brasileira”. Os desembargadores concluíram que os posseiros não têm nenhum direito às terras, por se tratarem de “meros invasores da área, inexistindo possibilidade de ajuizamento de ação indenizatória”.

As ações impetradas pelos ocupantes foram consideradas como “propósito meramente protelatório, atitude que deve ser combatida vigorosamente pelo juiz da causa”, e que as provas que apresentam não são válidas. O TRF declara que o título de propriedade da Liquifarm Agropecuária Suiá-Missú é inválido, pois a terra foi incorporada aos bens da UNIÃO pelo decreto de homologação, assinado pelo Presidente da República, que torna “nulos e extintos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras identificadas”.

Histórico – A Terra Indígena Marãiwatsédé está localizada na Amazônia Legal, entre os municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. A área é de 165 mil hectares (1,5 mil km²), maior do que a do município do Rio de Janeiro, com 1,2 mil km².

No idioma Xavante, Marãiwatsédé significa mato fechado, mata perigosa. Antes do primeiro contato com a população regional, existiam várias aldeias Xavante espalhadas estrategicamente na região, de maneira a impedir invasões de outros grupos indígenas. Eles foram os últimos Xavante a serem contatados, por volta de 1957. Viviam nessa área de terra fértil, onde o cerrado começa a dar vez à Floresta Amazônica.

Na década de 1960, a Agropecuária Suiá-Missú se instalou na região e promoveu a degradação do meio ambiente, o que reduziu drasticamente os meios de subsistência dos indígenas. Os Xavante acabaram confinados em uma pequena área alagadiça, expostos a inúmeras doenças. Depois disso, os dirigentes da fazenda Suiá-Missú articularam a transferência de toda a comunidade para a Terra Indígena São Marcos, ao sul do estado. A operação foi feita por um acordo que envolveu o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), instituição anterior à Funai; a Força Aérea Brasileira (FAB); e a Missão Salesiana de São Marcos, formada por padres que atuavam em outra área Xavante.

Os indígenas, sem outra alternativa, aceitaram a imposição e entraram num avião da FAB, na pista da sede da fazenda, mudando-se para São Marcos, território totalmente desconhecido e já habitado por outros índios. Naquele momento, além da perda da terra em que nasceram, uma epidemia de sarampo atingiu o grupo. Aproximadamente 150 pessoas que pertenciam à comunidade de Marãiwatsédé faleceram, por conta das doenças adquiridas durante aquele contato.

Em 1980, a fazenda Suiá-Missu foi vendida para a empresa petrolífera italiana Agip. Durante a Conferência de Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro, chamada Eco 92, a Agip, pressionada por antropólogos brasileiros e italianos, e vendo que a fazenda não lhe dava os lucros devidos, resolveu devolver aos Xavante a terra que lhes pertencia.

A partir daí a Funai inciou os estudos de delimitação e demarcação da Terra Indígena, mas antes que pudesse ser regularizada, a região sofreu invasões em massa de posseiros, o que dificultou o retorno dos índios após a sua legalização. Marãiwatsédé foi homologada em 1998, por decreto presidencial, mas enfrentou diversos recursos judicais de manutenção de posse.

Descontentes de estar em outras terras e após o sofrimento com a morte de diversos membros da comunidade, alguns indígenas começaram a retornar ao local de origem. Na década de 1970, mudaram-se para a Reserva de Pimentel Barbosa, onde o então cacique Paridzané fundou a aldeia Água Branca, mais próxima de Marãiwatsédé. Em 2003, aproximadamente 800 Xavante acamparam à beira da BR – 158, a 150 km a oeste de São Félix do Araguaia, nas proximidades do seu antigo território. Em 10 de agosto de 2004, eles entraram numa parte da Terra que representa apenas 10% do que têm direito.

Recursos judiciais, porém, continuavam impedindo que eles recuperassem o restante da área. Os fazendeiros conseguiram liminar da Justiça, garantindo a permanência em terra indígena. Enquanto isso promoviam o desmatamento para a agropecuária. Mesmo na parte que conseguiram ocupar, os índios enfrentam até hoje sérios problemas com fazendeiros, madeireiros e posseiros que, ao longo dos últimos 40 anos, ocupam as terras Xavante. Ameaças e provocações exigem que os indígenas mantenham vigilância constante e, para se protegerem, se concentrem numa única aldeia, o que não faz parte de sua cultura.

Julgamento – O julgamento do TRF, com resultado publicado esta semana, teve início em novembro de 2009, com voto favorável do relator. Na ocasião, o desembargador João Batista pediu vistas do processo e, em janeiro de 2010, deu também o voto favorável aos Xavante e encaminhou o processo para a desembargadora Maria do Carmo Cardoso proferir o último voto. O processo voltou a julgamento em agosto de 2010, com a decisão unânime da 5ª Turma do TRF e Mandado de Intimação publicado no DOU de 22 de novembro de 2010.

FONTE PORTAL DA FUNAI